terça-feira, novembro 28, 2006

Feudalismo - Você tem duas vacas. Seu senhor pega parte do leite para ele.

Socialismo - Você tem duas Vacas. O governo as tira de você e as coloca num curral, juntamente com as vacas de todo mundo. Você tem que cuidar de todas as vacas. O governo lhe dá um copo de leite.

Comunismo Russo - Você tem duas vacas. Você tem que cuidar delas, mas o governo fica com o leite todo. Você rouba o máximo possível do leite e o vende no mercado negro.

Comunismo Cambojano - Você tem duas vacas. O governo pega as duas e fuzila você, acusando-o de ser um capitalista criminoso centralizador dos recursos de produção da Nação e fomentando a fome de seu povo.

Ditadura Iraquiana - Você tem duas vacas e é fuzilado por suspeita de serem instrumento do imperialismo americano com o objetivo único de contaminar todos os rebanhos do país.

Capitalismo Norte Americano - Você tem duas vacas. Você vende uma delas e compra um touro, que usa para inseminar a outra vaca e também as demais vacas do pedaço (cobrando pela cobertura, naturalmente). Depois, começa a exportar esperma bovino para mercados emergentes. Após vários anos de expansão, sua empresa lança uma oferta pública inicial para ser apresentada na Bolsa de Valores de Nova York. A Comissão de Valores Mobiliários abre um processo contra você e sua mulher por negociaçao com informações privilegiadas.

Depois de uma longa e cara briga nos tribunais, você é considerado culpado e condenado a 10 anos de prisão, dos quais acaba cumprindo sete semanas. Quando sai da cadeia, você compra duas galinhas. Ai você vende uma delas, compra um galo.

sexta-feira, novembro 24, 2006

Senso de humor americano

People who think they know everything annoy those of who do.
"Fact: what I believe. Opinion: what you believe." "All deaths can be linked to cardio-respiratory failure." "Life sucks and then you die, so fuck it all let's get high!!!!!" "Reality is that which doesn't go away when you stop believing in it." "Life is a terminal disease with a 100% mortality rate"

I knew a teacher who said all of sociology could be summed up in four laws.
1. Some will, some won't.
2. The south is always different.
3. Hill people can be difficult.
4. Nothing works in India.

"Do I know what a rhetorical question is?" "The richest man in the world. But there's one thing he can't buy... ... a Dinosaur!" "That's the trouble with relationships today. Communication. Too much communication" - Homer Simpson

My Aikido teacher used to say about learning:
Fake it 'til you make it

A guerra entre Cristãos e Islâmicos = “The people who think a guy walked on water versus the people who think a horse can fly.” Religious wars are two sides fighting over who has the best imaginary friend

Two stupids don't make a smart! there are no superiors or inferiors, only humans with different skills at different levels. "this one doesn't fit - this one doesn't fit - this one doesn't fit. i think i'll eat some chocolate." Life is what happens to you while you're making other plans.

It's important to have a house. Without a house, all you've got is a yard full of furniture.
No matter where you go ...... there you are.

e pra terminar...
The difference between specialists and generalists?
A specialist goes through life learning more and more about less and less, until eventualy he knows almost everything about almost nothing.
A generalist goes through life learning less and less about more and more, until eventualy they know almost nothing about everything.

quarta-feira, novembro 22, 2006

Ponte aérea Rio-São Paulo

Lembro-me bem, quando morávamos em Manhattan, aquele dominó de edifícios, prontos para tombar, um seguido do outro, rodeados de águas calmas que reluziam na tocha da Estátua da Liberdade, eu me lembro bem das suas histórias, uma em particular, do velho pescador de Floripa.
Era um velhinho ainda muito saudável, certamente pela dieta salgada de mar com tainha e farofa; morava na Barra da Lagoa, em uma pequena cabana perto da praia, e saía para pescar todos os dias antes das quatro da manhã. Saía pelo oceano com todos os sonhos que não tivera tempo de sonhar durante a noite, voltava só após a margem de lucro da empresa ultrapassar o custo inicial do seu trabalho, o que, por vezes, durava mais de um dia. Sofria muito com seu barquinho em mar revolto e com a falta dum companheiro para suas aventuras: seu filho, o personagem que lhe faltava, viera estudar aqui em Nova Iorque, na zona sul, Wall Street.
José Antonio Assis era jovem, porém sedentário desde cedo. Veio à procura de emoções fortes no centro do mundo; andava pela Park Avenue e pelos arredores do Central Park mirando seu futuro nas coberturas em pequenas ruas onde era proibido buzinar, multa de duzentos e cinquenta dólares para quem perturbasse o sossego dos ricos lá em cima. Zeca, como era chamado por seus amigos de infância na Lagoa da Conceição, onde brincavam de quem atirava mais longe blocos de areia feitos às pressas, Zeca estava quase para alcançar o topo; ia ser promovido numa famosa corretora da bolsa de valores mais pop do planeta. Agora, caminhando em calçadas de bueiros fumantes, atravessando ruas de carros massificados e monocoloridos, pensava em suas vitórias sobre Júlio, no arremesso de areia do primário.
Júlio, seu melhor amigo desde-nunca-até-pra-sempre, não vencera; desistira depois de três fracassados vestibulares para educação física, tornara-se pintor de paredes dos pseudo-arranha-céus da mini-Manhattan em que a Beira-Mar de Florianópolis se transformara. Isolado sobre andaimes, sonhava com seu ex-futuro de professor, rodeado de crianças e sorrisos; preenchia as rachaduras das reformas descuidadas com a concentração da tinta diluída em suas lágrimas de cachaça. Por vezes visitava o pai de Zeca, o velhinho da Barra da Lagoa que lhe fornecia a água-ardente com que ardiam sua miséria e decepção. Lembravam os dois, com os dedos dos pés filtrando a areia da praia, em fins de tarde sem rodada de futebol, lembravam os dois do verdadeiro motivo perseguido pelo Zequinha nas árvores de natal nevadas da Grande Maçã.
Lídia Alves de Britto, pernas brancas e maçãs do rosto rosadas, grandes olhos verdes e pequena disposição para a mediocridade, conseguira uma vaga na Universidade de Columbia, no centro de uma ilha no exterior, com uma lagoa não tão bonita quanto a da ilha de Santa Catarina, sem tantos relevos também, mas com mais brilho, mais vida, mais morte e maiores salários. Lídia logo fez amigas por lá, nem tomou conhecimento de Zeca, que lhe mandara dois emails avisando que também se mudara e ainda esperava resposta: Krista, Stacy e Mary Worthwhite acompanhavam-na em sua energia pelas avenidas numeradas, paralelas e com destino definido; as quatro amigas sempre esbarravam na bêbada Broadway, que contrariando todas as outras ruas da cidade, vinha boêmia e espaçosa quebrando-a em diagonal, de nariz empinado, sem pedir licença.
Foi desses show que conheceram Michael Redcliffinson, que apesar do nome, era brasileiro. Maikon Redincliffensown Silva, como vieram a saber minutos mais tarde, ganhava a vida em curtas apresentações da africano-brasileiríssima capoeira em esquinas e becos desde o Brooklin até a o West Upper Side. Maikon contou que nascera no Morro da Cruz, em Florianópolis, do-you-know? in South Brazil?, e conseguira passar facilmente pelo muro que dividia a América do Norte da América do Norte que comia burritos; começara a jogar capoeira no Campeche, do-you-know, very-nice-beach, onde surfava com o Juca, o Fábio, o Lucas e o Rodolfo, que chamavam de Camaleão porque todo dia vinha com uma cor diferente da praia e que ainda queria se aposentar na sua cidade natal, só tinha que acumular mais tantos dólares para pagar a reforma da casa da mãe que já estava bem velhinha.
Marta Rosa da Graça estava, realmente, bastante idosa, contudo não se deixava entregar para os livros de história, persistia firme e, agora, namorando. Passeava por Canasvieiras, balneário norte de Floripa, praia bem tranquila, quando viu Seu Armando, recolhendo o barco até a areia, sozinho, sem um companheiro. Marta sentou-se ao seu lado, ambos filtrando areia com os dedos dos pés, apenas sorriam vendo o sol se pôr como coadjuvante da ambição dos homens. Ambos sem filhos como companhia, Armando contara que morava na Barra da Lagoa e seu único filho estudava finanças nos Estados Unidos e trabalhava em uma torre muito alta lá. Diz que as pessoas ficavam do tamanho de grãos de areia e que o horizonte tinha o formato de uma vara-de-pescar lá de cima. Marta achou muita coincidência e disse que seu filho também trabalhava na Big Apple - que significava A Grande Maçã, explicara-lhe, certa vez, Maikon -, mas que ele fazia shows de dança em grandes teatros, ia se apresentar na Broadway um dia, mas que voltaria no ano seguinte para ajudar na reforma da sua casa e traria sua nova esposa - casara-se recentemente com uma linda brasileira que morava na Fif Évenue.
Numa tarde quente, sob a figueira da Praça XV, três simpáticas americanas comiam coxinha à sombra e eram interrogadas por diversos uer-ariu-from e iu-laik-mi de pescadores ávidos por carne branca, o casal que as acompanhava fora dar uma volta naquela árvore centenária enraizada em variadas superstições; Seu Armando esperava seu filho que não era bumerangue e Marta Rosa consolava-o com dicas dos Evangelhos de João. Quanto a Júlio e Zeca, posicionados em tão distantes latitudes do globo, mas em ilhas de cores semelhantes, bem, eles viam a vida do alto, pairavam sobre os problemas alheios e perdiam seus próprios objetivos.
Lembro-me bem dessa estória Antoine, queria que você me contasse outras desse tipo, savez-vouz, mon cherie, je t´aime plus que tout, e adoro ouvir sua criatividade aflorar assim de improviso, parece até que são reais esses seus contos. Hoje na festa do Jacques Constant, em Montparnasse, você podia tomar uns vinhos e divertir-nos com suas invenções, hein? Todos te adoram tanto, somos tão felizes...

terça-feira, novembro 21, 2006

Carmen - Bizet
Habanera

A flauta mágica - Mozart
"edson cordeiro"
papa papa pa pageno

Rigolleto - Verdi
la dona e mobile (com bis a pedidos)

segunda-feira, novembro 20, 2006

Memórias de uma xícara

Olá, meu nome é Frágil, eu mesmo que me batizei; não por ser frágil, mas porque, na minha lembrança mais antiga, quando vivia em caixas de papelão com muitas outras xícaras, essa palavra era a mais popular, escrita por todos os lados; eu gosto de ser popular, então, quando me mudei pra cá, resolvi que seria conhecida como tal - não que eu vá ficar para a história, nem que meu nome será muito lembrado quando eu passar desta para uma melhor, simplesmente porque me soa muito familiar.
Dessa espécie de útero, passei para uma casa muito feliz, com um casal que parecia não se conter, estavam sempre sorrindo, sempre se pegando e fazendo brincadeiras. Minha prima, que trabalha num restaurante e entende mais de relações humanas do que eu, diz que, provavelmente, eram recém-casados. O certo é que viviam se pegando, não aproveitavam muito a casa espaçosa que tinham, ou tinham algum problema de geografia, pois sempre se esbarravam, se agarravam, por todos os cantos; parecia que tentavam entrar um no outro, não sei se isso era o tal de amor que minha prima fala, eu acho que era briga. A gente mora em um loft, sem divisórias entre quarto, sala e cozinha, então posso ver tudo que se passa na casa, o que me distrai da minha vidinha pouco movimentada. Se ao menos eu entendesse a língua deles... teria um pouco mais de interação com os humanos, minha prima diz que vai me dar um curso de português, ela é muito inteligente; ela é muito viajada, trabalhou em diversos bares e restaurantes já, serve um cafezinho muito apreciado aqui na capital. Ela me conta muitas histórias dos empregos por onde passou, sempre por ouvir o que é falado nas mesas, após o almoço, ou mesmo no café-da-manhã. Já serviu muitas pessoas importantes, até o próprio presidente, que tinha problemas ao segurá-la sem o dedo mínimo. Ouvia diálogos perigosos até, negócios obscuros sendo fechados na sua frente, propinas e ameaças, para ganhar a concorrência de uma licitação chegavam a pagar quinhentos mil reais por fora, não sei como tiravam algum lucro da obra depois de tão substancial desembolso logo no início; prostitutas tinham de vários valores, minha prima é boa de guardar números, é muito inteligente: o preço era proporcional à quantidade de roupa que vestiam, se as saias eram muito curtinhas, vinte reais bastavam; se fosse discreta e de bons modos, e loira, era preciso quatrocentos reais só para começar a conversa.
Minha vida aqui dentro da prateleira é por demais monótona, e não gosto dos meus colegas de quarto, são muito fechados, não se relacionam; ninguém fala nada, ninguém toma iniciativa de nada - mesmo se soubessem que o mundo acabaria no dia seguinte, duvido muito que se exaltassem ou movessem um dedo pra fazer qualquer coisa. São muito manipuláveis, sem atitude. Eu também sou um pouco assim, mas só por fora; se pudesse, estaria em empregos empolgantes como da minha prima, servindo café de todos os tipos, sendo recolhida das mesas, lavada, secada, voltando para a mesa seguinte, ouvindo mais alguns parágrafos de conversas, sendo recolhida, relavada, ressecada, e, de novo, mais café, mais diálogos, rostos, sorrisos, brigas, vento, sol, café com leite, capuccino, sabão, água quente, pires, colher, chá, cabelos chamativos, roupas da moda, uma ou outra queda sem me quebrar - minha prima já caiu duas vezes no mesmo dia, mas uma, para sua felicidade, e desgraça da cliente, foi no colo de uma mulher, manchando de suor negro seu alvo vestido burguês.
Eu também servia café, às vezes na cama; quão incontáveis foram os cafés-da-manhã de surpresa na cama, dele para ela, dela para ele, e sempre aquele sorrisinho de não-acredito!-ah-brigado!-te-amo de quem mal acordara. Eram meio bobos os dois, só tomavam chá com açúcar. Onde já se viu? Que sacrilégio... Mas eram simpáticos, minha prima diz que é sempre assim no começo, que já morou com um casal na mesma situação e que um ano depois estavam separando os bens. Foi depois disso que ela estudou e aprendeu a língua dos humanos e conseguiu vários empregos em restaurantes. Vive me dizendo que é o caminho, quem não estuda nunca terá o gosto de um expresso fresquinho, fica condenado a servir café aguado feito em casa a vida toda.
Eu queria mesmo entender o que falavam os dois, teria me ajudado muito a interpretar os infortúnios que cumularam na desgraça final, eu desejava o bem para os dois, sempre torci para que o relacionamento continuasse estável, mas tem uma coisa que minha prima chama de entropia, é uma constante tendência para o caos, uma força contra a qual, ainda segundo minha prima, os humanos lutaram durante toda sua história, tentaram formar impérios que se destruíram, formar filosofias, revoluções e conceitos que se desfazem com o tempo, comida estraga, a saúde se corrói, a felicidade se cansa - nada vinga no mundo, a explicação é essa entropia.
Novamente, e espero não estar me tornando muito repetitiva, segundo minha prima, o que a mulher segurava era uma arma e, como uma das maiores agentes da entropia, era uma destruidora de lares, exterminadora de famílias. A mulher apontava a arma para o peito volumoso do marido, e tremia, gesticulava nervosamente e gritava, parecia ter muito ódio; ele certamente fizera algo muito grave, pois a mulher era muito simpática no dia a dia.
Foi o dia mais emocionante da minha vida, e o mais triste, é chato quando as coisas acabam mal. A mulher chegara mais cedo que de costume, trouxera uma caixa junto com ela; pensei que fosse mais um presente, ela sempre trazia presentes para ele, acho até, se me permitem a ousadia, dizer que a mimava em demasia. Não se chega no doce perfeito simplesmente adicionando colheres sem fim de açúcar, é preciso um pouco de amargura e contenção, o exagero enjoa. O coitado do marido chegou um pouco mais tarde, fora cortar os cabelos, que ainda continuavam compridos. Eu nunca entendia, se eles pagavam tanto para alguém fazer o serviço, conta minha prima que o preço varia de dez a oitenta reais, porque já não cortar de verdade? Essa é outra impressão minha, a verdade e o racional não os interessa, são meio fúteis, a ponto de seguir tendências ilógicas porque todo mundo irracionalmente já as segue. Chegou feliz, esperava que ela notasse a mudança, deus-do-céu eu notei! mas só porque não tenho mais nada com que me preocupar; é humanamente impossível exigir que ela notasse um dedo a menos no meio daqueles dois quilos de cabelo que ele escorava sobre os ombros. A felicidade durou pouco, nem se beijaram, ele deixou suas coisas na mesa da cozinha e foi tomar banho, sem lavar a cabeça para não estragar o novo penteado. Veio com a toalha ainda enrolada, ainda sorrindo, mas a mulher não respondia a nada, imóvel, no sofá da sala. Ele desistiu da comunicação, pegou manteiga e leite na geladeira, pão e achocolatado numa estante e um copo ao meu lado. Comia em silêncio, ambos comiam em silêncio: ele tentando engolir seu pão, ela, sua raiva.
Minha prima tem inveja, queria ter visto todo o desenrolar da cena, como começaram a discutir, entender os pontos, analisar os argumentos falhos de cada um; ela sabe avaliar a mentira pela expressão facial das pessoas, descobriria facilmente quem falava a verdade e quem a ocultava. Mas sou uma simples xícara provinciana, não entendia muito, apenas assistia; minha única interferência ali seria se alguém quisesse tomar um café, ou chá, mas o momento não era próprio nem para um capuccino; é para isso que eu sirvo, para servir mãos alheias, transportar líquidos de cá pra lá, não fui feita para salvar vidas. Meus companheiros, atrás do vidro que nos isolava da cena, continuavam esnobes, pareciam assistir a um filme onde o sofrimento não é sofrimento de verdade e, mesmo se fosse, não importaria tanto de qualquer maneira. Era lá, no mundo deles, no exterior, noutro continente, no Oriente-Médio, na China, mais longe, noutra dimensão. Não afetava ninguém ali e isso bastava.
Eu continuava angustiada, mas faltou-me habilidade, força, experiência de vida, faltaram-me pernas para correr até lá, faltaram-me braços para agarrar a entropia, ou coragem para me jogar na frente da bala, morrer mártir de uma vida fosca.
A mulher atirou no marido - minha prima diz que essas coisas acontecem por causa da traição, que isso é muito grave - e depois atirou contra a própria cabeça. Uma mancha vermelha tomou conta de todo o piso, fazendo uns desenhos estranhos, com vários braços se espreguiçando, pareciam cansados. Era um líquido estranho, nunca vira nada parecido, era um líquido que respirava vida, rubro de vergonha de aparecer para o mundo, ali não era o seu lugar.
Uma semana depois entraram várias pessoas com gestos estranhos, segurando o nariz para não cair; tiraram fotos, balançaram as cabeças, acenavam pra cá, apontavam ali, mais fotos; muitas pessoas se aglomeravam na porta, sem poder entrar, parecia que faziam amor, pareciam o casal nos seus tempos mais felizes, se esfregavam, empurravam, tentavam entrar um no outro e esticavam suas cabeças. Os corpos foram recolhidos, não sei se queriam assim, mas juntos, um sobre o outro, sumiram da minha vista. Todos aqui da prateleira, ainda novinhos, foram vendidos para o restaurante da minha prima, ela afirma que foi quem conseguiu o contato e reclama uma comissão, mas vai ter de entrar na justiça para receber, e isso demora muito. Eu comecei uma rotina mais enérgica: acordo as seis da manhã, já sirvo café para clientes da padaria, lavam-me em máquinas grandes que jogam um vapor muito quente, é a melhor parte, são só cinco ou seis segundos dentro dessa sauna, só pra soltar a gordura mais persistente, mas saio tão renovada, tão seca, uma sensação muito boa mesmo - dizem até que emagrece. Depois volto para a mesa, ouço as pessoas lendo os destaques dos jornais umas para as outras e os "ahs" e "ohs" que vêm a seguir, sou novamente lavada, volto e ouço mais bons-dias por todos os lados, pássaros cantando, as pessoas como formigas começando uma correria, têm muita pressa, fazem coisas muito importantes mesmo, é muita responsabilidade manejar o mundo. Tenho um descanso de umas duas horas até o meio-dia, onde começo a trabalhar insanamente, pulo de uma mesa pra outra em minutos, o cafezinho de depois do almoço é muito rápido, nem passamos pela sauna, só passam uma água rapidinho e nos mandam pro serviço de novo. É nessas horas que ouço as histórias mais curtas e as mais interessantes do dia, ou eu que as torno interessantes, pois tenho que imaginar seus inícios e seus finais. Quando eu e minha prima vamos para a mesa juntas, rimos muito, troçamos com as caras que as pessoas fazem queimando a língua, sempre se queimam, nem parecem muito inteligentes, não.
Minha prima me disse, só agora, aqui na mesa de dois advogados barrigudos, que ter peito volumoso e cabelos cumpridos é característica das mulheres, que os homens tem peitos retos e, geralmente, cabelos curtos. E eu que pensava que era o contrário! Eu sou bem burrinha mesmo. Bem, queria desculpar-me pelo erro, então na história dos meus antigos donos, foi o homem que matou a mulher e ela quem traíra, o que também é normal que aconteça. Mas isso não muda muito as coisas, explica minha prima, a culpada mesmo continua sendo a entropia.

segunda-feira, novembro 13, 2006

Exploração da Força de Trabalho na Terra do Kapital*
Ou
Deutscheschwarzarbeitsunternehmungen
***
Introdução

O governo alemão investe pesado contra o Schwarzarbeit, literalmente “trabalho negro”, todos os anos no país de Karl Marx, principalmente contra a grande imigração de trabalhadores sazonais vindos de nações destruídas por guerras, ou em fraco desenvolvimento do leste europeu, que trabalham irregularmente durante alguns meses na Alemanha para acumular um dinheiro suficiente no intuito de sustentar parentes, a maioria desempregados ou mal-remunerados, em seus países de origem. Conheci alguns destes exemplos em minha viagem à Europa no início deste ano, exemplos estes, que relatarei no presente trabalho visando retratar certa exploração do exército de reserva internacional, em empregos com as mínimas condições de trabalho e nível ínfimo de salário. Tal exército é composto, na Alemanha, principalmente por turcos e poloneses; na França, por árabes e africanos; na Espanha por marroquinos; e assim por diante, sempre com o vizinho rico atraindo o país pobre ao lado.
Mesmo não sendo a intenção inicial, foi importante ter trabalhado parte do tempo da minha viagem, o que me deu condições de acumular um bom dinheiro depois de feita a conversão para a moeda brasileira: o que era miséria lá triplicou por aqui.
Trabalhei em diferentes ramos de atividade nos seis meses em que permaneci do outro lado do Atlântico, tais como: construção civil, serviços no comércio e até como assistente de produção num documentário realizado na Suíça. Darei mais ênfase àqueles em que minha Força de Trabalho foi mais explorada, isto é, menos “bem remunerada”; àqueles em que a avidez por excedente atingiu seu cume.
***
Ao trabalhar de assistente de produção em um documentário, posso dizer confortavelmente, não me senti explorado, não senti qualquer Mais Valia que eu tenha produzido sendo-me furtada, isso em vista das condições luxuosas de trabalho que me eram providas: quarto individual em hotel, jantares e almoços em restaurantes chiques, Jornada de Trabalho irregular, chegando a ser de apenas duas horas certo dia. Como efeito colateral, conheci as cinco maiores cidades da Suíça em dez dias carregando fios, lâmpadas, caixas, montando e desmontando sets de entrevistas; e ainda, além de tudo, recebi um salário vultoso. Foi meu primeiro trabalho no Velho Continente; foi um golpe de sorte. Daí para frente, trabalhei também como: entregador-de-propaganda em caixas de correio alheias; repositor e remarcador de preços em uma pequena loja de produtos naturais; auxiliar de construção, vulgarmente nomeado pedreiro, em uma reforma de três semanas de um apartamento na companhia de um alemão e de um polonês.
Entretanto o lugar onde minha força de trabalho foi ao máximo explorada era um Eiscaffe, uma sorveteria e cafeteria, em Kleve, uma cidadezinha perto da divisa da Alemanha com a Holanda. Os Eiscaffes são o lugar, junto com a construção civil, onde é mais fácil se empregar ilegalmente, estes últimos principalmente pelo fato da maioria possuir estrangeiros, grande parte italianos, como proprietários, os quais já conhecem certos esquemas para ocultar imigrantes irregulares.
Os meus chefes foram italianos que começaram como trabalhadores daquele Eiscaffe e conseguiram, depois de anos de exploração, comprar o local e passar a explorar mais-valias alheias; eu os conheci através de um brasileiro que trabalhara lá durante seis anos e assim comprara terrenos, um restaurante, ajudara sua família e fizera sua casa no Brasil. No período em que estive lá, havia como Força de Trabalho duas turcas, uma brasileira, uma romena e um polonês; nenhum alemão. Trabalhei apenas dez dias, pois meu patrão italiano já havia combinado e até pago as passagens para três polonesas, que viriam no começo do mês; só precisavam de mim temporariamente.
A Jornada de Trabalho era intensa e muito extensa, chegávamos a completar quase 14 horas diárias em serviços diferentes, algo como o rodízio de turnos na época estudada por Karl Marx. Pela manhã, precisávamos organizar e limpar a sorveteria, tirar os sorvetes dos freezers, fazer sorvetes, repor os estoques; durante o dia, o principal era o ato de vender, servir as mesas, lavar a louça, fazer cafés, milk shakes, mais sorvetes, lavar a louça novamente; fechávamos à noite com o ritual inverso ao da manhã. Apenas 30 minutos eram destinados ao almoço, e à sua respectiva digestão, e mais 30 minutos para o jantar.
O principal meio de exploração era o aumento da Jornada de Trabalho, a formação da Mais Valia Absoluta: como não éramos registrados, não tínhamos direito ao tempo correto em lei para as refeições e ultrapassávamos em muito o máximo de tempo de trabalho diário comumente aceito no país. Não recebíamos por peça, mas por tempo; recebendo o salário por mês, não havia como calcular o salário por hora, nem muito menos exigir o pagamento de horas-extras. Os Proprietários dos Meios de Produção podiam fazer, e faziam, o que bem entendessem, nos “pedindo” para trabalhar uma hora a mais, almoçar mais cedo; o fato era que trabalhávamos conforme o fluxo de gente: se houvesse cliente até onze horas da noite, devíamos continuar ali de prontidão, sem receber absolutamente nada a mais por isso.

“Antes de tudo, o motivo que impele e o objetivo que determina o processo de produção capitalista é a maior expansão possível do próprio capital, isto é, a maior produção possível de mais valia, portanto, a maior exploração possível da força de trabalho.” MARX, Karl, O Capital, pg. 384


A minha condição de trabalho, individualmente falando, minha jornada de trabalho se iniciava às 8:15 da manhã (às 8:00 eu acordava e tomava um rápido café da manhã), quando eu devia organizar todas as mesas, lavar a louça que à esta altura, com o serviço de limpeza dos outros funcionários, já estava se acumulando, e descer ao porão onde, em uma pequena fábrica, eu assistia a produção dos sorvetes (misturando ingredientes, esvaziando máquinas, enchendo compotas, limpando o chão); por volta do meio-dia, só por meia hora, era possível almoçar e descansar um pouco; durante a tarde minha função continuava indefinida: atendia clientes, servia sorvetes, voltava ao porão para fazê-los, lavava louça (a tarefa mais constante), fazia compras, consertava máquinas, limpava o chão, repunha os estoques; o jantar era servido às 18:00 e já às 18:30 eu era chamado de volta ao trabalho; só depois das 22:00 é que começávamos a recolher as cadeiras, mesas, sorvetes, etc; terminando o trabalho somente às onze da noite, quando, exaustos, subíamos para os quartos, tomávamos banho e ficávamos, todos, conversando em mal alemão, parco italiano ou, no caso da brasileira para comigo, em português, num minúsculo corredor entre os quartos. Obviamente que, esgotados, queríamos dormir, porém esse social, jogar fora essa conversa-furada, era necessário para quem passou o dia inteiro sem fazer outra coisa a não ser seguir ordens, sem sair daquela bendita sorveteria; acabávamos, sempre, só indo dormir por volta das duas da madrugada.
Foi mencionado aqui que “subíamos para os quartos”, sim, um alojamento era destinado aos funcionários, obviamente, já que vinham de outros países, o que minimizava o tempo de deslocamento entre ambiente de trabalho e casa. O mesmo acontecia para os intervalos das refeições, imensos intervalos de trinta minutos, as quais eram servidas no andar acima da sorveteria, e para a qual perdíamos, no máximo, um minuto.
Não creio ser possível calcular realmente o quanto de MV que eu produzi nestes dez dias, mas façamos uma analogia e uma comparação do meu custo, uma máquina produtiva e barata, com o de uma peça genuinamente alemã. Fique-se claro que minha acomodação e alimentação eram pagas por meus patrões. Trabalhei dez dias e recebi duzentos e setenta euros; somando-se essa quantia à, aproximemos, quinze euros diários pelas refeições e mais quinze, avaliando por baixo, pela hospedagem, chega-se ao total de quinhentos e setenta euros por dez dias de trabalho numa jornada diária mínima de doze horas. E se eu fosse um alemão, daqueles de rosto avermelhado pela cerveja da Baviera e do excesso de Sauerkraut – o famoso chucrute - , e me contratassem assinando minha carteira de trabalho? Bem, de entrada deve-se eliminar o pagamento pela moradia, se alemão fosse, eu moraria já numa casa situada em alguma rua com nome de filósofo ou músico do século XIX, e não receberia por isso. A média do salário mínimo na Alemanha, conforme fui informado, fica em torno de quatorze euros por hora, dos quais recebem-se apenas sete limpos, ficando o restante com o governo, que, anos mais tarde, me devolveria graciosamente como aposentadoria. Não tenho informações sobre a existência de vale-transporte ou vale-refeição, o certo é que para o primeiro não se precisaria de comparação, visto que eu não gastava com transporte, e, para o segundo, ser-nos-á permitido, por motivos marxistas, dispensá-lo da conta. Assim, simplificando-se, temos apenas de multiplicar o preço da Força de Trabalho alemã, que é igual a quatorze euros, pelo número de horas diárias trabalhadas, treze na média, e multiplicar este resultado pelos dez dias trabalhados, o que dá a quantia de (14 x 13 x 10 = 1820) mil oitocentos e vinte euros! Delineia-se portanto a Mais Valia Relativa que o Proprietário do Meio de Produção alcançou ao trocar a Mercadoria oferecida por algum alemão Proprietário de Força de Trabalho pela Mercadoria oferecida por um brasileiro; esta é igual à diferença entre o salário do primeiro e o do segundo(1820 – 570 = 1250), ou seja, se fôssemos considerados máquinas, a máquina brasileira realiza o mesmo trabalho que a alemã por um terço do preço; a troca de uma por outra, portanto, poderia ser considerada como aumento de produtividade, ou seja, formação de Mais Valia Relativa (que decorre, ou da diminuição do Tempo Trabalho Necessário do trabalhador pela baixa no preço de sua Subsistência, ocasionada pelo aumento de produtividade, ou simplesmente pelo direto aumento da produtividade).
Há todavia um porém: um trabalhador alemão teria direito à um maior tempo destinado às refeições e teria uma Jornada de Trabalho máxima de seis horas por dia (embora pudesse trabalhar mais sob um título de “horas-extras”, jamais chegaria ao total de treze horas diárias). O que esta afirmação implica na conta realizada anteriormente? Significa que não houve apenas formação de Mais Valia Relativa, mas também, pela extensão da Jornada de Trabalho, obtenção de Mais Valia Absoluta. Excluindo-se da conta a contabilidade das horas-extras, que são por demais relativas, visto que o trabalhador pode realizar um certo dia e duas em outro e ainda nenhuma num terceiro dia, podemos calcular aproximadamente de que forma o Trabalho excedente se dividiria entre Mais Valia Relativa e Absoluta. Fazendo-se o cálculo, eu recebi, por hora, quatro euros e quarenta cents aproximadamente (570/10 = 57 e 57/13 = 4,40), o que resultaria em, multiplicando-se pelas seis horas diárias autorizadas por lei e pelos dez dias trabalhados, duzentos e sessenta e quatro euros (4,40 x 6 x 10 = 264) se eu só trabalhasse o tempo diário permitido por lei. Logo, a Mais Valia Relativa cresce para mil quinhentos e cinqüenta e seis euros (1820 – 264 = 1556)! Com a substituição da nacionalidade do trabalhador, com o emprego ilegal de um imigrante, o capitalista economiza 85,49% com o pagamento da Força de Trabalho pelo tempo normal e ainda realiza Mais Valia Absoluta à vontade pois explora até o máximo o limite físico do imigrante, já que não há limite de horas para o trabalho ilegal.
Seria possível aumentar ainda mais a conta do Trabalho Excedente pois não tínhamos, nós, os funcionários, folga aos domingos, não possuíamos nem mesmo qualquer dia de folga.

“Fica desde logo claro que o trabalhador, durante toda a sua existência, nada mais é que força de trabalho, que todo o seu tempo disponível é, por natureza e por lei, tempo de trabalho, a ser empregado no próprio aumento de capital. Não tem qualquer sentido o tempo para a educação, para o desenvolvimento intelectual, para preencher funções sociais, para o convívio social, para o livre exercício das forças físicas e espirituais, para o descanso dominical, mesmo no país dos santificadores do domingo. Mas, em seu impulso cego, desmedido, em sua voracidade por trabalho excedente, viola o capital os limites extremos, físicos e morais, da jornada de trabalho. Usurpa o tempo que deve pertencer ao crescimento, ao desenvolvimento e à saúde do corpo. Rouba o tempo necessário para se respirar o ar puro e absorver a luz do sol. Comprime o tempo destinado às refeições para incorporá-lo, sempre que possível, ao próprio processo de produção, fazendo o trabalhador ingerir os alimentos como a caldeira consome carvão, e a maquinaria, graxa e óleo, enfim, como se fosse mero meio de produção. O Sono normal necessário para restaurar, renovar, refazer as forças físicas reduz o capitalista a tantas horas de torpor estritamente necessárias para reanimar um organismo absolutamente esgotado.” MARX, Karl, O Capital, pág 306

O parágrafo acima é o que por certo melhor descreve as condições de trabalho que encontrei na fatídica sorveteria italiana. Parece brincadeira, mas desconhecíamos sol e chuva, o dia inteiro entre paredes, só reconhecíamos a existência de Amon quando do recolher e do arrumar as mesas e cadeiras externas. Não me foi possível sequer fazer um pequeno tour pela suposta charmosa cidadezinha alemã, não houve tempo nem oportunidade de sair do alcance, das imediações, da sorveteria. Tudo era organizado de modo a maximizar nosso tempo, nossa transição entre as diferentes funções, nossa produtividade. A exigência era enorme chegando a ponto de a empregada romena, já talvez fora de sua idade mais produtiva, chorar e resmungar escondida para não demonstrar aos patrões que poderia estar sendo menos eficiente. Gostaram de mim lá, por ser jovem, saudável, falar a língua, e não reclamar; tratei o tempo em que trabalhei com eles como uma grande experiência, mais social que propriamente de trabalho, foi um grande aprendizado; pelo menos comíamos sorvete à vontade: “Só faltava proibirem isso pros escravos aqui, né?!” exclamava Diolinda, a brasileira que trabalhava lá de doméstica e talvez o motivo maior de eu ter agüentado trabalhar no local, as comidas baianas no almoço e no jantar eram o ponto alto do dia.
Ainda permaneci mais dois dias, quando as contratadas polonesas chegaram: no segundo dia já estavam chorando e reclamando das pernas, elas não tinham escolha e deviam trabalhar com a expectativa de exercer aquele ofício por no mínimo mais dois meses. Eu trabalhei tranqüilo, levei na brincadeira tudo aquilo, voltaria a trabalhar com eles, mas não sei se suportaria mais de um mês naquele ritmo; por condições físicas não haveria problemas, a dificuldades seriam morais; não havia tempo para nada além de trabalho: banho, por exemplo, só depois da meia-noite se ainda fosse possível permanecer de pé.



Conclusão

A expectativa dos trabalhadores imigrantes vem diminuindo. No espírito de “se não podes enfrentar o inimigo, junte-se a ele”, a Europa vem expandindo sua união em direção justamente aos países do leste que lhe exportam indevidamente força de trabalho. Na incapacidade de fiscalizar essa imigração de trabalhadores, a União Européia aceitou, em primeiro de maio de 2004, mais de dez novos países para, entre outros motivos, legalizar o trabalho destes imigrantes; não evita sua vinda, que causa transtorno para os níveis de desemprego dos países alvo (o que é o motivo do crescente movimento xenofóbico percebido nessas nações), mas, pelo menos, os viabiliza como trabalhadores legais e, conseqüentemente, pagadores de impostos. Outro resultado que pode vir a ser produtivo, para a mais forte das partes, é a entrada do Euro nestas economias mais frágeis o que encarece seus produtos, seu custo de vida, e diminui o “grande lucro” que os ex-trabalhadores ilegais obtinham ao trabalhar no exterior. Nas palavras de Robert, trabalhador polonês com o qual trabalhei em uma reforma de uma casa, ao ser perguntado se gostava de seu país ter sido incluído na EU:

“De jeito nenhum! Agora tudo vai piorar, os preços na minha cidade já subiram consideravelmente por causa dessa expectativa e os salários continuam, e vão continuar, no mesmo patamar, tanto lá como aqui na Alemanha. Salário para gente como nós é sempre o mínimo possível. Antes eu trabalhava aqui por três, quatro meses, e me mantia tranqüilo, sem precisar de nenhum emprego, pelo resto do ano, no meu país. Agora sem chance, jetzt keine chance...”
*artigo para a aula de Economia Marxista, em 2004

sexta-feira, novembro 10, 2006

Paixão proibida

Eu ainda acredito no amor e ainda acredito que ter fé e crer com devoção nos impulsione para mais perto de nossos objetivos; meu olhar perdido encontrou um, num bar, na beira da Lagoa. Cátia, como vim a descobrir naquela mesma noite, não percebeu ser observada, ser comida com os olhos. Falta-me um pouco de atitude, não tenho costume de me aproximar das pessoas e iniciar uma conversa, quanto mais um flerte. Prefiro esperar que venham até mim. Com Cátia foi diferente, eu tive de tomar uma posição; dirigi-me até sua mesa e, sem dissimulação, perguntei do jeito mais cafajeste e que sempre reprimi:
- Oi, tudo bem? Você vem sempre aqui? Legal esse bar, né?
Em um bar de cadeiras vazias e garçons desanimados com a limpeza dos saleiros, aquelas perguntas surpreenderam-na: olhou de canto, interrogativa, verificou se era para ela mesmo que se direcionavam tantas questões, sorriu, arrumou os cabelos e me convidou para sentar com um gesto rápido.
- Oi, não, não venho muito aqui, e você?
Olhos decididos e alegres me fitavam, havia sido muito fácil; eu não esperara tão agradável acolhida. Uma mulher tão bonita, tão bem vestida e maquiada, com pernas lindas, um corpo magro e escultural, sapatos combinando com a bolsa, todos os detalhes perfeitos, a graça ao arrumar o cabelo; uma mulher tão bela torna muito difícil a aproximação, tenho amigos garanhões que confirmam, forma-se um abismo em volta desses seres perfeitos, ou elas que são muito difíceis, ou o muito difícil é arrumar coragem para dar o salto em direção ao impossível. Eles me dizem que bebida ajuda, mas eu nem havia bebido e tudo parecia encaminhado. Tentei sorrir de volta, sentei-me ao seu lado e conversamos a noite inteira. Foi incrível, parecia que nos conhecíamos desde a infância, discutíamos todos os assuntos, desde moda até futebol, passando pela canalhice dos homens e pelo odor das mulheres apaixonadas. Eu sentia uma fragrância de sentimentos, mas vinha de mim, eu amava Cátia; amava todos os seus gestos, todas as suas confidências, todos os tons do seu sorrir. Apaixonara-me no primeiro instante, uma atração muito profunda, encontrara o par perfeito; sempre faltara um algo mais nas pessoas com quem me relacionara até ali, mas aquela mulher era demais.
Lógico que não demonstrei, tratava-a como a uma amiga querida, uma prima, uma irmã; ganhei sua confiança entre taças de vinho tinto, ela parecia solitária e se abriu comigo, expôs todos os seus problemas sem temor algum; bebíamos sem parar e brindávamos o tempo todo. Não, não a deixei se embriagar, também eu não passei do ponto. Ela esvaziou a última taça e me convidou para a sua casa, em plena consciência; teria antes porém de buscar sua filha (ela tinha uma filha!) na casa duma coleguinha, eram quase nove horas e ela certamente já terminara seu trabalho escolar. Pode parecer estranho, mas a idéia de uma filha me animou mais ainda. Cátia era separada e eu adoro crianças.
Karina tinha nove anos e era muito esperta. Entrou no carro saldando-me com grande afeto e, recusando-se a sentar no banco de trás e ficar de fora da conversa, acomodou-se no meu colo e demonstrou que faria um escândalo se alguém tentasse tirá-la dali. Cátia aceitou fingindo submissão aos desejos da soberana, eu não reclamei e disse não me importar. O peso de Karina no meu colo tirava-me a concentração da conversa com Cátia, não sabia mais se falávamos do problema de ignição do carro, se discorríamos sobre a barba de Sócrates ou se discordávamos do gol mais bonito de Pelé; aquele ser inocente sentado no meu colo, roçando meu peito, trazia-me uma sensação inédita, um frenesi, eu tremia. Abstive-me um pouco dos assuntos, acho que discutiam de uma nota ruim de Karina, enquanto se digladiavam em argumentos, eu fitava o ombro reluzente da menina, lisinho, seus bracinhos esvoaçando pelo ar tentando provar que a professora que fora má, suas pernas se batendo contra minhas canelas, sua saia deixando sobrar umas perninhas finas na paisagem.
- Chegamos, você pode passar minha bolsa, por favor? Pediu Cátia.
- Claro, claro, aqui, ó, não, essa aqui, ops, essa, tó. Eu disse tudo isso num atrapalhamento incompreensível para as duas, eram muitas bolsas, muitos pensamentos.
Entramos no apartamento das duas, dado pelo ex-marido como presente de casamento, sentei-me no sofá. Olhei em volta, Karina já tinha sumido para o quarto, eu já sentia sua falta. Aquela alegria familiar me empolgava. Cátia voltou com uma garrafa de uísque e dois copos com grandes pedras de gelo. Olhava-me nos olhos, era franca, falava-me de suas aventuras com namorados naquele apartamento, ríamos em conjunto; eu evitava tocar em qualquer assunto mais picante, ela que começava; eu escondia meus sentimentos, eu a amava, amava sua filha, amava seu apartamento, suas roupas, eu não podia tocar no assunto: sabia que, se o fizesse, o encanto se dissiparia. Nunca me dei bem em conquistas, não era agora que eu estragaria tudo com alguma cantada fajuta - já bastava aquele "você vem sempre aqui" do início.
Cátia tirou seu casaco, ficou descalça e sentou-se de frente pra mim, no mesmo sofá; apoiou sua cabeça sobre o braço, seu joelho ingenuamente tocando o meu, eu ofegava: discutíamos sobre reggae e sopa de cogumelos quando Karina chegou, escovando os dentes, para nos dar um beijo de boa noite. Veio de pijama e chinelos trocados, apoiou-se sobre minhas coxas e me apertou como se eu fosse sua mãe, ou seu pai. Voltou correndo para o quarto tropeçando e dando risada da dor que sentia. Eu tropeçava no sentimento que, lá dentro, me doía. Eu queria me abrir, falar tudo para Cátia, dizer que a amava, fazer planos em conjunto de formar uma família, casar, ter outros filhos, adotar aos montes, viajar, trabalhar juntos. Eu queria tocá-la, acariciar seus seios, beijar sua boca, descobrir o conhecido no mistério do seu corpo; mas era impossível, eu não podia. Despedimo-nos horas depois, ela bêbada, eu não. Combinamos de nos ver no dia seguinte, no fim da tarde, abraçamo-nos e trocamos beijos, no rosto.
Voltei para casa em desespero, aos soluços, encontrara um anjo; quando estamos tão perto assim de Deus, acredito eu, é doloroso ir embora; eu chorava feito criança. Acelerei o carro, passei sinais vermelhos sem hesitar, se morresse, morreria infeliz; melhor hora para morrer não há. Cessaria minha angústia na solidez dum poste, no fim de uma curva, no rosto assustado de alguém na contra-mão; tudo para findar os saltos-mortais que meu coração dava, para demonstrar que ele era humano e passível de fim. Afoguei-me no travesseiro, eu tremia, sentia-me quente, com febre. Dormi como uma pedra rolando morro abaixo, só que quem rodava era o teto; eu bebera, sim, um pouco demais.
A constância alivia e diminui o impacto do novo, porém, se o novo nos parece familiar, a rotina o intensifica e o coroa com uma aura maior de desejo, é assim que eu penso. Nas duas semanas seguintes, saímos quase todos os dias, Cátia sempre curiosa e contente, eu sempre com a certeza de que ela era a mulher certa para mim, e sempre com o medo da aproximação do momento em que eu me declararia. Ela, se desconfiara, não demonstrou em momento algum, eu nunca dei em cima dela, mas também não discutíamos minha sexualidade - se eu era gay, por exemplo -, o que me leva a crer que ela acreditava-me hétero. Do mesmo modo, jamais demonstrou desconforto com nossa amizade. Talvez ela estivesse realmente interessada e, pelo compromisso social das mulheres de nunca dar o passo inicial, sob pena de parecerem fáceis, ela não abria o jogo.
Buscávamos todo dia Karina no colégio e almoçávamos no apartamento delas. Depois do trabalho eu voltava para lá e continuávamos conversando, jogando e brincando até tarde; formávamos uma família feliz e eu resolvi partir para o ataque. Já haviam se passado quase vinte dias da nossa amizade, aquilo tinha de se tornar o "algo mais", ou devia terminar por ali mesmo. Eu não aguentava mais meus monólogos interiores ambíguos e indecisos, não suportava mais esconder tanta paixão dentro de mim.
Busquei Karina no colégio e levei-a para casa, Cátia chegaria mais tarde. Trocamo-nos no seu quarto, ela botou uma camisolinha que eu dera de presente; estava linda como a mãe, seus cabelos pretos espreguiçavam-se sobre seus ombros nus, sorria felicíssima para mostrar o quanto amara meu presente. Peguei-a no colo - ela adorava - e a coloquei na cama fazendo-lhe cócegas na barriga; eu queria Karina, eu queria um ser daqueles, um todo meu, saído de mim, queria poder ser mãe, queria urgentemente ser pai. Dei um beijo de boa-noite, desliguei a luz e fui para a cozinha preparar a janta. Cátia chegou pouco depois de eu terminar a arrumação da mesa: taças de cristal reluzentes; dois tipos de facas, uma para o peixe e outra para a salada; guardanapos de pano cuidadosamente dobrados; flores ornamentavam o centro da mesa; e velas, muitas velas. Olhou-me com espanto, como sem entender o porquê de tudo aquilo, mas logo sorriu e me abraçou já começando todo o relato do seu dia, esquecera a bolsa no ônibus e teve de sair correndo duas quadras para alcançá-lo, tivera de enfrentar duas filas enormes nos bancos, comprara um rímel novo, estava com uma bolha no dedão do pé e estava um pouco alta por causa do rum gratuito de um coquetel que... Eu peguei sua mão, acariciei seus dedos... ela parou por um momento, mas não me deu muita atenção, continuou falando que o rum estava uma delicia e que misturaram um pouco com uísque e... Deslizei minha mão sobre seu braço dourado pela luz das velas, beijei seu ombro, puxei-a com força, beijei seu queixo, toquei seus lábios; ela parecia não compreender onde estava. O beijo que eu tanto esperara durou uma eternidade, parecia não ter fim, mas sei que durou poucos segundos.
Senti a respiração de Cátia ofegante, empurrou-me delicadamente afastando seu rosto do meu, olhou-me intrigada. Fingindo nada ter acontecido, comemos uma salada horrível e um peixe intragável. Conversávamos apenas obviedades, assuntos levianos, ela se ofereceu para lavar a louça; despedimo-nos com um aceno. Ainda quase esqueci minha bolsa lá. Voltei chorando, como da primeira vez. O sonho terminara. Recusei-me a tirar a maquiagem antes de dormir, já estava toda borrada pelas lágrimas mesmo. Cheguei em casa com os seios doendo, eles também choravam, meu cabelo estava horrível, eu estava acabada. Frustrada, derrotada. Eu queria ser a mãe de Karina, a mulher de Cátia, queria poder dizer ao mundo que isso é possível. Tenho estado muito ocupada no trabalho nas últimas semanas, Cátia não me ligou mais, eu também não quis forçar e continuo apenas a esperar; espero que um dia ela ligue e entenda meus sentimentos, ou pelo menos me perdoe por tê-los misturados à nossa amizade, mas parece que perdeu o encanto, não seria a mesma coisa; espero sua ligação apenas como amante, apaixonada que estou, não quero sua amizade, far-me-ia mal, eu continuaria sofrendo. Acredito firmemente em Deus, mas não sou daquelas que acreditam que ele seja perfeito; penso eu, ainda angustiada com tantas emoções do último mês, penso eu que se ele fosse realmente perfeito, teria me dado um pinto ao nascer.

segunda-feira, novembro 06, 2006

Subdesenvolvimento transbordou lá de cima

Dois pontos cruciais da colonização do Brasil que muito influenciaram o seu subdesenvolvimento posterior, o escravismo e o açúcar, o fizeram pois, ambos, não enriqueciam o país e só o primeiro dava grande retorno a Portugal. O plantio do açúcar foi fundamental para a definitiva ocupação das terras do Novo Mundo, mas menos da metade do lucro final do produto corria para os lusitanos, pois a parte de agregação de valor, o refino e a distribuição pela Europa, era feita pelos Holandeses. Desde lá, nosso superávit primário era a maquiagem eufórica de um futuro usurpado.
Impossível, para o cultivo da cana, dispor de relações assalariadas: se o salário fosse baixo, os trabalhadores simplesmente migrariam tomando posse de outras terras e ali iniciariam sua subsistência; se fosse muito alto, o salário inviabilizaria o lucro. A escravidão, fora de moda na Europa, assumiria seu caráter tenebroso nas colônias. Escravizar o índio, porém, também era inviável. A forte oposição dos jesuítas e uma adaptabilidade fraca ao trabalho intenso poderiam ter sido revertidos se fossem os únicos problemas; o maior deles era que o comércio de escravos indígenas não espirrava mais-valia em Portugal.
A compra e a venda de seres humanos era tão lucrativa quanto as exportações do país, mas isso não bastava, tinha de ser lucrativa para a Metrópole. Só o comércio de escravos vindos da África, intermediado por Portugueses, desempenharia tal função.
Resumo: pra lucrar com o Brasil era preciso exportar alguma coisa, fez-se o açúcar; para lucrar com o açúcar era preciso o escravismo para sua produção, fez-se o comércio de escravos; para que tudo isso resultasse no maior ganho para Portugal, era necessário que os escravos fossem negros, importados por portugueses, e não índios capturados e revendidos por caçadores locais.
Todos esses ingredientes, na panela, resultaram na falta de fermento do bolo do país onde vivemos. O fermento era o surgimento de um mercado interno, era a fundação de escolas, era o desenvolvimento local, era a agregação de valor nas exportações, era o reinvestimento dos lucros no país; tudo isso, teoricamente decorrentes de uma civilização assalariada governada localmente, foi invalidado pela escravidão (escravo não compra, não estuda, não se relaciona) e furtado pelo método exportador-importador (respectivamente de produtos primários e artigos de luxo ou valor agregado) adotado por nossos colonizadores. O perigo é que esse estrago, podendo ser amenizado, tem sua solução postergada ilusoriamente pelos governos atuais, duzentos anos depois, interessados prioritariamente no mesmo superávit primário, na mesma falta de um projeto nacional.

sexta-feira, novembro 03, 2006

Te escrevo essas maltraçadas linhas
porque veio a saudade visitar meu coração
...
quanto tempo faz, que vi no seu olhar
o fogo de orvalhos congelando?
qual a intenção, que quis nos separar
mas que por fim foi nos juntando?
como aguentar, um dia assim a mais
horas sem dormir, mas sim sonhando?
quanto o olhar traz e quanto tempo há
pra eu gelar o fogo te orvalhando?
...
Assim descansarei,
Sim, a mim descansarei.
...
Assino então com muito
carinho
do sempre sempre seu,
Tinho.