segunda-feira, novembro 06, 2006

Subdesenvolvimento transbordou lá de cima

Dois pontos cruciais da colonização do Brasil que muito influenciaram o seu subdesenvolvimento posterior, o escravismo e o açúcar, o fizeram pois, ambos, não enriqueciam o país e só o primeiro dava grande retorno a Portugal. O plantio do açúcar foi fundamental para a definitiva ocupação das terras do Novo Mundo, mas menos da metade do lucro final do produto corria para os lusitanos, pois a parte de agregação de valor, o refino e a distribuição pela Europa, era feita pelos Holandeses. Desde lá, nosso superávit primário era a maquiagem eufórica de um futuro usurpado.
Impossível, para o cultivo da cana, dispor de relações assalariadas: se o salário fosse baixo, os trabalhadores simplesmente migrariam tomando posse de outras terras e ali iniciariam sua subsistência; se fosse muito alto, o salário inviabilizaria o lucro. A escravidão, fora de moda na Europa, assumiria seu caráter tenebroso nas colônias. Escravizar o índio, porém, também era inviável. A forte oposição dos jesuítas e uma adaptabilidade fraca ao trabalho intenso poderiam ter sido revertidos se fossem os únicos problemas; o maior deles era que o comércio de escravos indígenas não espirrava mais-valia em Portugal.
A compra e a venda de seres humanos era tão lucrativa quanto as exportações do país, mas isso não bastava, tinha de ser lucrativa para a Metrópole. Só o comércio de escravos vindos da África, intermediado por Portugueses, desempenharia tal função.
Resumo: pra lucrar com o Brasil era preciso exportar alguma coisa, fez-se o açúcar; para lucrar com o açúcar era preciso o escravismo para sua produção, fez-se o comércio de escravos; para que tudo isso resultasse no maior ganho para Portugal, era necessário que os escravos fossem negros, importados por portugueses, e não índios capturados e revendidos por caçadores locais.
Todos esses ingredientes, na panela, resultaram na falta de fermento do bolo do país onde vivemos. O fermento era o surgimento de um mercado interno, era a fundação de escolas, era o desenvolvimento local, era a agregação de valor nas exportações, era o reinvestimento dos lucros no país; tudo isso, teoricamente decorrentes de uma civilização assalariada governada localmente, foi invalidado pela escravidão (escravo não compra, não estuda, não se relaciona) e furtado pelo método exportador-importador (respectivamente de produtos primários e artigos de luxo ou valor agregado) adotado por nossos colonizadores. O perigo é que esse estrago, podendo ser amenizado, tem sua solução postergada ilusoriamente pelos governos atuais, duzentos anos depois, interessados prioritariamente no mesmo superávit primário, na mesma falta de um projeto nacional.