terça-feira, outubro 25, 2005

acho que gosto de musicais um pouco exageradamente, todos que eu vejo parecem ser o melhor filme que já vi em todos os tempos! Os últimos que passaram pelo primeiro lugar foram De-lovely, Grease, Dancing in the dark, Singing in the rain, My fair lady; e agora Chicago. Quando começam as músicas parece que os problemas se resolvem tão facilmente. A vida é fácil e poética nos musicais. Filme normal é prosa.

sábado, outubro 22, 2005

Peregrim

Vim de longos sonhos te sonhar
vim beber os sucos da solidão
sinto a falta do seu olhar
e sorvo açúcares de carvão

em palácios de figuras
em palcos de desespero
salto em busca das alturas
bebo sopas sem tempero

Eu vim de longe te sonhar
lágrimas correm destiladas
ventos voam sem parar
ventos, não. Trovoadas.

sábado, outubro 15, 2005

idéia para um curta (longa): pegar uma história já existente mas usar atores para papéis femininos e atrizes para papéis masculinos.

idéia para um conto: homem nasce sem alma e morre do coração

sábado, outubro 08, 2005

Porque ele inventava sua própria bebida (incompleto)
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*
- Você não pode ter todas as mulheres do mundo, rapaz. Dizia sempre meu avô, sempre colocando os óculos sobre a mesa. - Mas não custa nada tentar - e mexia seu copo de água com aquela mistura nojenta de açúcar e casca de pão.
Meu avô não podia tomar whisky como os outros avós, álcool e fumaça faziam mal para sua inspiração matinal, explicava ele, e um homem só é verdadeiramente um homem quando aprende a inventar e apreciar sua própria bebida.
- Tá, mas pão? Por que pão no seu "drink"?
- Porque ninguém saberá fazê-lo como eu, poucos talvez tenham coragem de experimentá-lo - dizia ele baixando o tom de voz. Um segredo aqui pra você, rapaz: se for bem geladinho, fica melhor com raspas de limão.
A frase do começo, a das mulheres e tal, não foi ele quem inventou; e nem sempre foi usada. Começou a aparecer com mais frequência quando do desaparecimento da bela Linda. Linda como nome; bela como o mais simples dos adjetivos. Sempre vinham juntos, o garçom do bar, o pseudo-mendigo, o motorista do ônibus, todos chamavam-na de Belalinda, a vizinha do meu vô. O sol nunca tocava sua pele, isso porque ela só saía de casa quando anoitecia; e foi nesse tempo que a admira-adoração dele, por ela, nasceu.
- Sabe, teve uma vez, uma tal de Belalinda que era minha vizinha, teve uma vez que ela... - e dali sairíam longas horas de rememorações melancólicas e mexidas no fundo do copo com a colher, para desgrudar de lá as cascas de pão e recolocá-las em harmonia com o açúcar. Por falta de condições técnicas ele dizia ter desistido de conquistar, em números, todas as mulheres do mundo. Mas ainda não havia desistido de tentar todos os tipos: loiras, ruivas, magras, magérrimas, obesas (não, obesas não era necessário), narigudas, bundudas, de tatuagem, de piercing, dominadoras, românticas, de todas meu vô já tinha provado. Meu avô era um grande cara. Faltava uma figurinha porém no seu álbum, Belalinda. Porque Belalinda era única, era a que despertara pela primeira vez ansiedade naquele coração velho.
Belalinda andava todas as noites em direção ao bar onde trabalhava, sozinha, com olhar perdido pelas ruas da cidade. Não vou descrevê-la fisicamente, como ele a descrevia, pois a paixão certamente desfocava os detalhes que saíam da boca do pobre do meu avô - acredito que fosse daquela espécie de mulher que cativa apenas com o jeito de se portar, com os olhos, com as mãos; que era delicada; daquelas que te tratam como amigo, sempre, mas com muito mais delicadeza; daquelas que fazem a pessoa pensar que é correspondida na paixão que cultua e depois dão uma bofetada de "amizade", e um soco no estômago de "não é nada mais que isso".
Era nesse rotineiro andar "a caminho" que meu vô a observava. Ele não se aventurava a entrar para ver o que ela fazia, se era garçonete, se fazia drinks, se faxineira, se stripper; ficava apenas a imaginá-la, cada dia numa função, trocando de uniforme indefinidamente, ora azul liso, ora verde rendado, ora couro reluzente. Esse o preferido. Se fosse couro reluzente ele casava.
Pois um dia, na parte da noite, ele entrou no bar - antes mesmo dela sair de casa - e começou a beber. Ele me disse que bebera umas quatro doses de tequila (sempre reclamando da falta de pão naquele lugar) antes de ver Belalinda chegar para o serviço. Manteve a pose, esperou ela colocar seu avental de trabalho e a chamou.
-Ah, oi senhor! O senhor ainda não foi atendido?
Sim, er...
-Não. Ainda não.
-E posso saber o que o senhor gostaria?
Ah se ele pudesse dizer, ah se o mundo não fosse tão cheio de pontos e vírgulas...
-Hum.. Para beber? Perguntou ele fingindo certo desconforto. Alguma sugestão, senhorita?
-Tequila?
Sim, Sim, mais uma!
-Estou proibido de tomar destilados. Traga um chop, por favor... ahm..
-Linda
-Linda. Por favor, linda.
O segundo fora um adjetivo.
-E para acompanhar, senhor?
Você, querida.
-Nada não, já estou de saída.
De saída? Eu? Acabei de chegar!
-Tudo bem, disse Belalinda e minutos depois trouxe dois copos de chop.
Ela explicou que tinha vindo cobrir a folga de uma outra funcionária, mas que como o movimento estava fraco (só havia meu vô de cliente ali) ela podia voltar para casa mais cedo. E que como ela era sua vizinha, podiam voltar juntos, caminhando.
-Não, meu filho. Nem mesmo me convidou para entrar naquele dia, nos despedimos na calçada. Mas passei a ir todos os dias tomar um gole de chop só para vê-la me chamar de senhor. Era senhor pra cá, senhor pra lá. Parei com as outras, só havia Belalinda nos compromissos da semana. Meu mundo mudara, não avancei o passo em momento algum, ganhei confiança. Saímos para além do bar, consegui tirar ela de dia de dentro de casa. Passamos a fazer programas de namorados mesmo, dávamos as mãos ao caminhar, ela me contava seus segredos mais escondidos, eu os meus; íamos ao cinema no mínimo duas vezes por semana, em matinês apenas, com poucas testemunhas para observar nossas brincadeiras com as mãos na última fileira. Quase nos beijávamos, eu queria, ela ansiava pelo momento, embora ambos soubessem que quando nos beijássemos o encanto se dissiparia.
"Tinha vezes que terminávamos na cama, outras num banco de praça, outras numa esquina escura. Sempre apenas para rir, conversar, trocar conclusões incompletas. Sem nunca porém tocar no assunto da nossa relação; os alvos eram sempre os outros.
Meu avô terminou de virar sua bebida, catando os últimos restos de pão do fundo do copo. A pausa não era providencial, algo o engasgara. Percebeu que eu o observava e sorriu.
-Sim, rapaz. Eu fui amado pela pessoa que amei. Mas ao mesmo tempo não era amor, sabe? Ela era eu em outro corpo, ambos sabíamos disso. E se passássemos a uma relação carnal, apaixonada, tornaríamo-nos dois, ela voltaria a ser uma mulher e eu um homem. Pelo menos sempre pensei assim.
-E? perguntei inconformado. E?
-Foi o que ela perguntou um dia depois de me beijar.
Nunca mais a viu novamente. No dia seguinte um casal de argentinos se mudara para a casa de meu vô, e ele viera tentar nova vida em outro estado; apenas por motivos profissionais, não queria mais saber de mulheres. Já as tivera, todas. Menos Belalinda, a última, a peça final, a tampo da garrafa de suas aventuras, a que trazia lágrimas aos seus olhos.
Não que meu vô a quisesse por amá-la, queria era terminar seu álbum. Entre completar sua coleção, ou tirar a incompletude de sua vida, ele preferira a primeira opção. Talvez tenha sido infantilidade, mas provavelmente meu avô tenha sido o mais sábio dos homens: aquele que não se deixa cair por aquilo que te derruba.

sexta-feira, outubro 07, 2005

É porque eu venho sempre aqui, disse ela saindo de frente da porta. Eu entrei já sabendo que coisa boa não era, e me enganei. Qual o porquê então de não me querer ali? Trouxe Camille para perto de mim, colei meus lábios em seu ouvido e sussurrei a pergunta. Ela me olhou, Camille sempre me observava quase como que tentando lapidar minha alma, ela me olhou de cima - superior qual a boca de um chuveiro, se o olharmos de volta, ele enche de lágrimas nossos olhos. Não gostaria de misturar; uma coisa é minha vida antes, meus lugares de gente solitária, de filosofia a um, outra coisa são nossos palcos de romance, nossa teoria literária a dois, murmurou Camille com as pálpebras semicerradas. Dei dois passos para trás. Ok, eu disse, faça de mim o que quiseres, leve-me onde desejares, e nunca mais diga que não te amei. E, no fundo, suspeito que ela sabia, que ela era pouco mais que uma gripe espanhola que me deixara duas semanas de molho preso à minha cama. Ela, Camille, durou três.