terça-feira, agosto 30, 2005

antes mal
do que só acompanhando

quem com ferro fere
do ferro correrá perigo

casa de cozinheiro
comida sem sal

segunda-feira, agosto 29, 2005

Bem, nem tão zen assim.
Alguém, favor, cuidar de mim,
dói a cabeça e a ponta do rim.
Dói ouvir não e ter de dizer sim.

sábado, agosto 27, 2005

Diálogo verídico (presenciado por mim numa reunião de família)

Filha: Mãe, flatulência é soltar pum?
Vó: Ah filha, eu acho que é uma coisa natural que tem que sair.

domingo, agosto 21, 2005

De quando minutos choram
.
A gente pensa que é borboleta, mas não passa de uma larva fantasiada. Foi angustiante a corda invisível que me sufocava, também o vidro que me impedia de alcançar o bolo na vitrine e o tempo que esquecera de correr, tudo só fazia apertar o nó que violentava minha garganta.
Estou com raiva, fazia tempo que não sentia isso, nem homens-bomba nem presidentes alienados me despertavam ódio. O lado bom das coisas era sempre ver o lado bom das coisas. Porque a vida é muito curta para gastá-la com sentimentos negativos.
Explodiu-se uma amizade. Sobrou pouco do que existia dela, apenas o nome numa lista de chamada escolar do primário, que fizemos juntos; talvez naquela época a coitada ainda tivesse salvação. A gente pensa que é borboleta, mas não passa de uma larva fantasiada. Fervem emoções em minha cabeça e idéias no meu coração, sinto asco do que ela fez, nojo do que ela é. No princípio era o verbo; e o verbo fazer era/é mais forte que o ser. O que fazemos hoje é imortal, o que somos tem prazo de validade. Os seres coordenam as ações, mas são suas ações que os definem.
Linda como uma borboleta, podre sem seus adereços nas asas. Há a tentação de enumerar seus defeitos, catá-los um a um e justificar o porquê de tanto ódio, mas esse é o caminho mais fácil e por onde se satisfazem a maioria dos perdedores.
Sem justificativas para o coração, o mais sábio dos inconscientes.

sábado, agosto 20, 2005

Ouve mais quem menos vê

Os dois garotos eram cegos, corriam pelas riachos do quintal de casa e nunca tropeçavam nas pedras do caminho, mas esta estória é sobre Ana.
Um deles era pequeno e sempre apanhava nas discussões com o irmão, corria para o quarto e esperava até que seu pai desse uma sova no agressor para então parar de chorar. Contudo falaremos aqui sobre Ana.
Os pés eram de homem, as mãos também, mas os dois pequenos irmãos, sem nunca terem se olhado, sabiam ver quando o outro olhava ameaçadora ou ternamente, com aquele sentido que só mesmo crianças possuem. Ah... Mas esta estória é sobre Ana.
O sol ainda queimava as bordas do asfalto, ônibus jorravam fumaça por escapamentos barulhentos e ali, sentados no muro, os dois irmãos passavam o dia a filosofar sobre ruídos: os naturais, os fabricados, os inumanos e os inaudíveis. E é aí que entra Ana na estória.
Ah... Ana, só de pensar...
Essa história era sobre Ana.
Sim, Ah! Ana!

segunda-feira, agosto 15, 2005

- O que é "deus"?
- Sabe quando você fecha os olhos, pensa em coisas boas, concentra e faz um pedido?
- Sim, sei.
- Então, Deus é o cara que te ignora.

"A Ilha", com Scarlett Johanson

sábado, agosto 13, 2005

"one art"

The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.
-
Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.
-
Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.
-
I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.
-
I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.
-
---Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.

Elizabeth Bishop

sexta-feira, agosto 12, 2005

Poema muito do enjoadinho
Falando sério
eu não gostode poesia moderna
As pessoas parecem pensar
que basta dividir frasesao meio
e esquecer a pontuação
para automaticamente
criar um poema.
Poesia é outra coisa.
Poesia não é divã
de analista
não é competição
de domínio do vernáculo
poesia não é
nada disso.
E certamente, meu amigo
poesia não é isto aqui
Isto é apenas prosa
fatiada para tentar
mostrar o engodo
que é a maior parte
da poesia moderna.

quarta-feira, agosto 10, 2005

À la ASS
E a sessão desgastante de exercícios musculares tendia para um sofrimento protéico-metabólico, quando chegou Livia, a Livia da rua ao lado. Nada mais lhe doía, um impulso novo agora o embalava nas repetições, três de quinze, em dez equipamentos diferentes. Sua série terminara, e justo no momento em que Livia colocou seu pézinho, talvez sua parte mais delicada, na academia; uma carboidrática tragédia!
(Ed. Plinios e Planos. 230pg, R$31,00)

segunda-feira, agosto 08, 2005

DesCrime-nação
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Lopez saiu do quarto, vestiu sua camisa e saiu.
A rua estava tão feliz quanto nunca esteve, com sempre inéditas caras cansadas que pensam terem perdido a hora, perdido o ônibus, horas e horas no murmúrio daqueles que vão; sempre vindo ou indo e nunca de passagem. Não chovia, mas fazia frio na sombra; sombra que se estendia por quilómetros de calçadas. Tanto frio fazia que Lopez, na sombra, não por relembrar de onde saíra, mas pelo choque da rua gelada onde entrara, estremeceu subitamente. Então viu que todos o olhavam, não todo mundo, porém todos; sabiam o que ele fizera, o porquê, e porque fôra impossível se conter. Fazia frio na sombra. Virou a esquina; ali também, ninguém não o conhecia, sabiam seu nome, seu passado - e talvez previssem seu futuro. Grades, cela, ferro, solidão. Tentou outra rua, idem. No calçadão também, só faltavam cumprimentá-lo.
Sem saída - cela, ferro, grades, solidão -, Lopez mergulhou na fonte da praça central, fingiu não respirar, escutou seu silêncio - fôra impossível conter-se. Mais de minuto sob a água, fonte artificial, sem peixes e muita sujeira, fundo verde. Arrastou seus pés no piso lodoso, acumulou vida por entre seus dedos, fez um trilho no chão; tentou escrever Lopez com o dedão, mas à esta altura, com a água revirada, só suposição imaginava as letras do seu nome. Banhou-se longos minutos, a água era morna, aconchegante; ela o protegia do sopro gelado do olhar alheio. O olhar toca mais forte que a mão e tem maior alcance, olhar é gesto físico.
Pôs a cabeça para fora, sujo como estava estava limpo! Daquele jeito, todo molhado, com musgos grudados por seus braços e costas, Lopez sentiu um alívio instantâneo de anonimato, nada mais o notava, nem mesmo os peixes ausentes. Submergiu uma última vez - água morna, aconchegante -, para arrumar o cabelo, e se levantou tremendo. Ainda tremia! e, felizmente, ninguém o observava; um sol ofuscou o latido de dois cães que protestavam contra um portão barulhento; duas senhoras riam de causos antigos contados debochadamente; loira e linda, uma mãe observava sua cria, também loira, mas sem graça e um pouco gordinha, numa gangorra com um colega de turma; com calor, depois de exaustivos exercícios, um homem tirava a camisa e a esfregava no rosto; o frio se fôra.
Lopez saiu da fonte, vestiu sua camisa e sumiu.

Por que o belo? Porque é belo

domingo, agosto 07, 2005

"Bamos a la plajja"
vamos meu amigo
cante junto comigo
"Bamos" e reaja!

Se o mundo fosse quadrado
me escondia num dos cantos
ocultava meus encantos
e dormia só de lado.
"Bamos", ouvi dizer
ouvi cantarem no mar
desde o sol a levantar
até a lua a escurecer
***
Perdão, não acabamos
não fuja, não desista
para a praia leva a pista
e o canto canta o "bamos"
Bamos a la playa
bamos, bamos, bamos
que tempo hábil haja
enquanto nós cantamos
Para aonde, meu senhor?
A la playa! Bamos, Bamos!

quarta-feira, agosto 03, 2005

Tanto André quanto Maciel e Osvaldo Rodriguez, todos conheciam e amavam a Leila da Travessa Palmeirão. Filha de dois imigrantes holandeses, única loira do bairro, e que ainda por cima andava com aqueles tamancos tradicionais de madeira, charme e graça inconcebíveis para suas concorrentes que se exibiam em havaianas daquelas com bandeirinhas do Brasil. Pois foi um desses tamancos de madeira que ela esquecera no baile de formatura da oitava série. Tanto André quanto Maciel e Osvaldo Rodriguez saíram noite adentro procurando o santo Graal que os levaria aos pés da musa do colégio; o sol já raiava quando um "achei" quebrou o frenesi dos três: o temível Tarcísio Chute-de-pedra, no canto mais afastado do salão, acenava com sapato na mão, que descobrira oculto por entre uma das cortinas do palco. (continua)

segunda-feira, agosto 01, 2005

Porque estivesse escrevendo (pra falar bonito: hilário!), e, mais sério, aqui.