quarta-feira, setembro 20, 2006

Decidi-me

The Atlantic slave trade developed much later, but it would eventually be by far the largest and have the greatest impact. Increasing penetration of the Americas by the Portuguese created another huge demand for labour in Brazil, for farming, mining, and other tasks. To meet this, a trans-Atlantic slave trade soon developed. Slaves purchased from black slave dealers in West African regions known as the Slave Coast, Gold Coast, and Côte d'Ivoire were sold into slavery as a result of a defeat in black on black tribal warfare. Mighty black kings in the Bight of Biafra near modern-day Senegal and Benin sold their captives internally and then to European slave traders for such things as metal cookware, rum, and livestock, seed grain.

Negros eram escravizados por negros e vendidos aos portugueses. Se isso for verdade, em sua maioria, as cotas não fazem sentido mais, pois não é uma dívida dos brancos para com os negros, é uma dívida da humanidade para a humanidade.

terça-feira, setembro 19, 2006

A profecia que se autocumpriu

Ou o pessoal do oriente médio que se revoltou contra o papa queimando igrejas e ameaçando-o de morte (e só estes), ou esse pessoal é maluco-extremista mesmo com indícios de não ter nada de melhor pra fazer no deserto que se explodir, ou são realmente muito ignorantes e burros ao fazerem "tudo que ouviram que fazem" para demonstrar que "tudo o que ouviram que fazem" está errado.
Outra, como se dizia do piscinão de ramos, por lá cada passo é um flash, eles têm toda a visibilidade que sempre desejaram, adoram se mostrar e nós, burros do ocidente, transmitimos todas as ameaças dez vezes por dia, em todas as emissoras. E nós, burros do ocidente aqui de baixo, que nem estamos na "reta", fazemos o mesmo. Quase como aquela história do gugu que pôs no ar ameaças do PCC.
O Papa, errado, parece que tem razão.

sexta-feira, setembro 15, 2006

Ferido
Portentosa ponta de lança
que por ventura me perfurou
tu és sádica herança
que o feudalismo nos legou,
mas não me tiras a esperança
que minha última noite sonhou:
sonhos não enchem a pança?
pois foi um que me matou.

segunda-feira, setembro 11, 2006

A vida não passa, na verdade,
de um caminhão de mudanças
vivemos mudando para casas novas,
mas com mesmos móveis de sempre

segunda-feira, setembro 04, 2006

Um Karamazov em Florianópolis

- É hoje, eu sei, é hoje que Konchinkov me mata!
Observando a parede cinzenta, na frente do seu computador, Jair não conseguia tirar a assustadora idéia da cabeça, principalmente por haver, sim, um motivo para seu assassinato. Nunca fizera mal a Konchinkov, mais precisamente Alieksandr Ispaciba Konchincov, vindo da Rússia durante os anos gelados da Guerra Fria como comandante estratégico de algum plano militar oculto; Jair nunca nem falara com ele, foi uma troca de olhares que o condenou.
Jair estremecia a cada passo dado sobre as tábuas estéricas do seu teto. Ambos moravam, sozinhos, em uma pousada decadente à beira de uma lagoa, ele no térreo, o russo no andar de cima; o barulho do vento estremecia Jair, que desde pequeno detestava ruídos. Hoje, no dia de sua morte, eram os sons do vento e da madeira podre que o consolavam; os sons eram imortais, e isso o reconfortava - entre morrer ou viver para sempre, preferia o menos dolorido, a opção mais rápida. Despedia-se de seu passado, olhava com ternura sua pesada coleção de moedas, "precisaria de um carrinho-de-mão para carregar todas de uma só vez", brincava ele, consigo mesmo; corria os dedos pelas teclas do seu computador, companheiro fiel e um pouco problemático desde que se mudara de São Joaquim, sua cidade natal, no interior, e viera para a capital, livrando-se de invernos brancos, em busca de dias arenosos e salgados; desde a mudança, encontrava seus antigos amigos apenas em programas de conversas na internet, ainda não se adaptara a nenhum grupo já formado de conhecidos na universidade. Era um pouco tímido, mas achavam-no rancoroso e anti-social; só não respondia às piadas, porém, porque não sabia o que falar, nem que cara fazer; e com isso se isolava de quem tentava alguma aproximação.
Tal inabilidade e insegurança no agir o condenaram à morte, sabia ele. Há muito que lutava contra essa deficiência, contra o medo de se ver em situações imprevistas, que o obrigassem a tomar alguma decisão em frações de segundos. No dia anterior, um desses eventos fortuitos se passou e, devido talvez a um olhar, ou a uma falta de palavras, quando avistou a faca reluzente ensanguentar-se, quando viu que o movimento se repetiria, e de fato se repetiu, quando viu e ouviu a pesada queda do corpo de um desconhecido, quando se deu conta que a barba do homem que estava de pé se voltara em sua direção e reconheceu o russo, talvez o fato do silêncio ter se mantido intacto determinou quem seria a próxima vítima da lâmina que ainda jazia no peito do cadáver.
Alto e forte, Alieksandr Konchinkov era de uma figura imponente, vestia-se com um sobretudo preto sofisticado, mesmo em dias ensolarados; mantinha a volumosa barba sempre no mesmo formato quadrado, com cantos levemente arredondados; tinha olhos incisivos e inertes, característica estranha, eles não se moviam, a cabeça que os direcionava para onde desejassem. "Mora há vinte anos no mesmo quarto da pousada e sempre paga adiantado o aluguel": era tudo o que Jair sabia, através de sua própria observação e de informações recolhidas com a proprietária do imóvel, um mês antes, ao pagar seu quarto e ter negado seu pedido de desconto. A partir dali se encarregara de monitorar os sons de passos do andar de cima e transmiti-los, assim como suas preocupações, aos seus amigos de infância, pela internet; dava descrições minuciosas dos ruídos, o quanto demoravam, com o que se pareciam: por duas vezes ouvira que pessoas o acompanhavam, quatro sons de calçados diferentes no último mês, uma mudança de lugar da cama e de uma pequena mesa, muitas cadeiras arrastadas, três barulhos de queda de algo pesado e, por duas vezes, ouvira sons que pareciam vir de grandes sacos de areia sendo arrastados.
O rosto desesperado de Jair era iluminado pela luz azul do monitor e atormentado a cada sinal de ocupado que recebia ao tentar se conectar; desde o acontecido que não conseguia entrar na internet, não tinha aparelho de telefone, apenas a linha para ligar ao computador. Por que não contara para ninguém na faculdade? Guardara o segredo durante todo o dia para se aconselhar com pessoas em quem confiava assim que voltasse para casa. Como não previu que a internet poderia estar congestionada ele não entendia; censurava-se por ter adiado a tomada de uma iniciativa quanto à resolução do problema. Devia ter chamado a polícia, feito um escarcéu, avisado todo mundo; agora era tarde, não fugiria. Quando voltara, as manchas de sangue em frente a escada haviam desaparecido, tremeu ao ver que a porta do quarto de Ispaciba estava entreaberta; "deve ter passado o dia limpando a sujeira de ontem", pensou. Trancara-se imediatamente e desde então tentava comunicar-se com seus conterrâneos, sem sucesso, contudo.
Suando frio, levantou-se e foi se assegurar que a porta estava trancada; desistiu do computador, deitou-se na cama, cobriu-se rapidamente e ficou à espera. Identificava grande movimentação no andar de cima, parecia que o russo fazia alguma mudança, arrastou uma mesa, varreu toda a extensão de seu quarto, pôs quatro cadeiras no chão - deviam estar suspensas em algum lugar -, ergueu algo que parecia ser uma caixa, deixou-a novamente no lugar, desenrolou um tapete e parou, como se vacilasse nos movimentos que até agora pareciam muito precisos e estudados; deu lentamente uma volta no quarto e parou onde devia ser a janela. Atirou-se.
Levantando-se instantaneamente, Jair correu para o computador e conseguiu acesso. Apenas um tio estava on-line; contou tudo de imediato, descrevendo minuciosamente todos os fatos, todos os sons, todos os seus medos. Por quase meia hora se desligou do mundo preso à atividade de teclar o máximo de letras possível por segundo; ouvia-se apenas as repetidas batidas de seus dedos e os alertas de resposta recebida. Seguindo o conselho do tio, levantou-se e abriu a janela para ver se realmente chovera um russo no quintal. Estendido bem ali, ao lado da sua janela, por entre o capim, havia um grande tapete enrolado, envolvendo certamente o corpo de Ispaciba. Como é e para quê que ele próprio se enrolaria em um tapete antes de se jogar de uma janela, seu burro! Essa foi a mensagem que trouxe novamente o desespero para Jair, que voltou a tremer e hesitou em responder; sentia-se febril, passava um pouco mal, tudo escurecia. Ouviu batidas na sua porta, alguém o chamava; Alieksandr Ispaciba Konchinkov continuava vivo! e vinha atrás dele. Jair despediu-se do tio, desligou o computador e todas as luzes do quarto, fingiria-se de ausente.
A vida real, porém, é mais difícil de ser sacaneada, só se finge ausente com êxito na internet; Jair sabia que o russo o ouvira; conversando com o tio, ele se descuidou dos barulhos do quarto vizinho, das escadas, estava tudo acabado, a qualquer momento entraria por sua porta um monstro barbudo que, treinado pela mais perigosa força secreta da antiga União Soviética, o torturaria e o rasgaria como a um pedaço de pano velho; não sem antes vomitar palavras cheias de números e algarismos estranhos. Novas batidas na porta e ele sentiu-se desfalecer; estava tudo acabado, lembrou-se de um poema que o embalava quando pequeno,
Oi, vim te dizer o quanto te amo
o quanto penso em você
Oi, linda, vim cantando músicas de amor
enquanto pensava em você
alguém o tirava da cama, sentiu uma força descomunal jogá-lo ao solo, ao mesmo tempo que uma barba roçava seu rosto, uma barba fria e dura que ganhava vida e o arranhava, ali, deitado no chão, pequenos fios de sangue se formavam em sua testa com o contato daqueles arames sujos e afiados;
Tchau, meu amor, voltarei pra minha cama
vou sonhar com você
Tchau, linda, minha cama é rosa e quente
cantarei daqui de dentro
mesmo com os olhos fechados sentiu o clarão quando o velho retirou sua arma do bolso, o brilho do facão ofuscava-o, a escuridão do seu quarto foi invadida por feixes vivos de luz que, assim como a barba, feriam-no, gelavam-no; o russo realizava amplos movimentos com a lâmina, parecia mostrar sua força para com sua presa desassistida, inerte de pavor; torturáva-o com a visão da morte certa, antes de perfurá-lo.
Tchau, durmo cantando que te amo
ouves minha voz no seu interior?
eu sou você agora
eu durmo no seu coração.
e está tudo tão quente...
Sentiu a ponta tocar sua pele, adentrá-la, expandir-se horizontalmente até sentir o cabo tocá-la; o movimento repetiu-se, agora no outro lado da barriga, uma água morna o cobriu, havia uma espécie de crescimento, parecia que ele jorrava vida, estava feliz; sentia uma liberdade inexistente antes, sem limites ou bordas, sem camadas, tudo se confundia, todo o seu corpo era um só, coberto por aquela gosma quente e abundante; recusava-se a abrir os olhos, contentava-se por ouvir a respiração ofegante do monstro que o dilacerava; ouvia mais batidas na porta, sentia mais facadas trespassarem seu pescoço. Afundou no chão, caía em grande velocidade; ao contrário do que pregam, sua morte veio escura, fria, solitária.
Na semana seguinte, ao queixar-se com a proprietária, Jair assustou-se consigo mesmo, sem, entretanto, revelar nada a ninguém. Voltando de viagem, a dona da pousada, depois de dois meses sem aparecer, viera cobrar seu aluguel como se nada tivesse acontecido, como se nenhum assassinato tivesse sido cometido, como se nenhum russo barbudo comedor de criancinhas tivesse esfaqueado um inocente no hall de entrada da pousada. Ele disse que achava tudo aquilo um escândalo e que estava decidido a se mudar imediatamente; pedia suas contas e dava adeus àquela imundice. Tomou conhecimento, então, que o russo voltara para a Sibéria há quase dois meses, deixando provisoriamente três meses pagos caso precisasse voltar para terminar seus negócios; tomou conhecimento que, como insistisse tanto, ganharia um desconto, mas que essa história de assassinato, de esfaqueamento, só podia ser imaginação sua e que ele deveria permanecer menos na frente do seu computador.
- Meu filho, isso dá até câncer, se tu não sabes. Disse ela sorrindo e virando-se para ir embora. - Alieksandr Ispaciba Konchinkov abominava seus antepassados comunistas, veio fugido da opressão de Stálin, escondeu-se aqui por anos. Nem mesmo usava barba! Tinha a pele lisa que era uma beleza... Konchinkov barbudo? ha ha ha, francamente...