segunda-feira, agosto 08, 2005

DesCrime-nação
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Lopez saiu do quarto, vestiu sua camisa e saiu.
A rua estava tão feliz quanto nunca esteve, com sempre inéditas caras cansadas que pensam terem perdido a hora, perdido o ônibus, horas e horas no murmúrio daqueles que vão; sempre vindo ou indo e nunca de passagem. Não chovia, mas fazia frio na sombra; sombra que se estendia por quilómetros de calçadas. Tanto frio fazia que Lopez, na sombra, não por relembrar de onde saíra, mas pelo choque da rua gelada onde entrara, estremeceu subitamente. Então viu que todos o olhavam, não todo mundo, porém todos; sabiam o que ele fizera, o porquê, e porque fôra impossível se conter. Fazia frio na sombra. Virou a esquina; ali também, ninguém não o conhecia, sabiam seu nome, seu passado - e talvez previssem seu futuro. Grades, cela, ferro, solidão. Tentou outra rua, idem. No calçadão também, só faltavam cumprimentá-lo.
Sem saída - cela, ferro, grades, solidão -, Lopez mergulhou na fonte da praça central, fingiu não respirar, escutou seu silêncio - fôra impossível conter-se. Mais de minuto sob a água, fonte artificial, sem peixes e muita sujeira, fundo verde. Arrastou seus pés no piso lodoso, acumulou vida por entre seus dedos, fez um trilho no chão; tentou escrever Lopez com o dedão, mas à esta altura, com a água revirada, só suposição imaginava as letras do seu nome. Banhou-se longos minutos, a água era morna, aconchegante; ela o protegia do sopro gelado do olhar alheio. O olhar toca mais forte que a mão e tem maior alcance, olhar é gesto físico.
Pôs a cabeça para fora, sujo como estava estava limpo! Daquele jeito, todo molhado, com musgos grudados por seus braços e costas, Lopez sentiu um alívio instantâneo de anonimato, nada mais o notava, nem mesmo os peixes ausentes. Submergiu uma última vez - água morna, aconchegante -, para arrumar o cabelo, e se levantou tremendo. Ainda tremia! e, felizmente, ninguém o observava; um sol ofuscou o latido de dois cães que protestavam contra um portão barulhento; duas senhoras riam de causos antigos contados debochadamente; loira e linda, uma mãe observava sua cria, também loira, mas sem graça e um pouco gordinha, numa gangorra com um colega de turma; com calor, depois de exaustivos exercícios, um homem tirava a camisa e a esfregava no rosto; o frio se fôra.
Lopez saiu da fonte, vestiu sua camisa e sumiu.