Hoje, Paulo acordou grávido. Não que não tivesse acordado assim também no dia anterior, nem nas quatro semanas anteriores. É que só hoje resolvera fazer o teste e descobriu, após um pão seco com margarina, pois Carla saíra para trabalhar cedo e comera o último iogurte com aveia - e Carla tinha uma reunião importante, então tudo bem, tinha de estar saudável para vender aquele projeto -, e foi depois de engolir o pão seco com um restinho de café que sobrara da xícara já fria de Carla - que pedira desculpas por sair correndo sem trocar a ração do gato nem tirar seu coco da caixa de areia -, e também após esperar aqueles minutos de sempre da faixa azul aparecer no marcador trazendo a notícia do menino jesus inesperado, foi só ali que parte do pão seco entalou na garganta, pois Paulo se descobrira grávido. E Paulo não entendia como aquilo era possível nem como contaria para Paula, que voltaria no fim do dia exausta, provavelmente com mais um projeto negado e sem condição de se encantar com aquela notícia. Carla não seria uma boa mãe, disso Paulo tinha certeza...
Sócio do Ócio
Das Leben ist etwas anders, mais c´est agreable. Eu sou fã de mim, mas meu ídolo me despreza. Don´t call me Joe if my name is Schneider!
quinta-feira, fevereiro 01, 2018
quinta-feira, julho 02, 2009
Governo divulga vencedores do Prêmio Cruz e Sousa
Os romances “O Senhor da Palavra”, de Ruy Reis Tapioca, e “Cruz do Campo”, de Abelardo da Costa Arantes Junior, foram os grandes vencedores da edição 2008-2009 do Prêmio Cruz e Sousa de Literatura, promovido pela Fundação Catarinense de Cultura (FCC). Enquanto a obra de Ruy Reis Tapioca venceu na categoria nacional, a de Abelardo da Costa Arantes Junior foi a vencedora da categoria catarinense. Em segundo lugar ficaram as obras “O Vestido Vermelho”, de Vera Lucia Gonçalves Moll, e “O Livro Perdido de Baroque Marina”, de Fernando José Karl, respectivamente na categoria nacional e catarinense. E em terceiro lugar ficaram as obras “A Cor das Palavras”, de Ronaldo Antonelli, e “A Morte dos Deuses”, de Roy Warncke Ashton, também respectivamente na categoria nacional e catarinense.
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Os nomes dos trabalhos vencedores foram divulgados no domingo, dia 28 de junho de 2009, às 15 horas, em Florianópolis, pelos membros da Comissão Julgadora, formada pelo escritor e professor Deonísio da Silva, pelo escritor, crítico de arte e presidente do Conselho Estadual de Cultura Péricles Prade, e pelo crítico literário e editor Carlos Appel. Além dos seis vencedores, que ganharão prêmio em dinheiro e serão publicadas, a comissão listou outros vinte trabalhos, que devido a qualidade foram recomendados para publicação.
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O trabalho de seleção foi realizado ao longo dos últimos oito meses. Esta é a sétima edição da premiação, que distribuirá R$ 160 mil entre os seis trabalhos selecionados. As inscrições ficaram abertas entre 21 de outubro de 2008 e 6 de abril de 2009, e eram específicas para romances inéditos, escritos em língua portuguesa por brasileiros. Um total de 626 obras foram inscritas, das quais 443 concorrem na categoria nacional e 183 na catarinense.
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Os jurados tiveram que selecionar os três melhores trabalhos em cada uma das duas categorias. Na Nacional, foram destinados R$ 50 mil ao primeiro lugar, R$ 20 mil para o segundo e R$ 10 mil ao terceiro. Na categoria Catarinense, os mesmos valores: RS 50 mil para o primeiro lugar, R$ 20 mil ao segundo e R$ 10 mil para o terceiro. A entrega dos prêmios deverá ocorrer no mês de outubro de 2009, em Florianópolis.
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Além do prêmio em dinheiro, os seis trabalhos selecionados serão publicados e distribuídos nacionalmente. “Com esse prêmio, buscamos estimular a produção literária no Brasil e em Santa Catarina, além de incentivar a formação de leitores”, lembra a presidente da Fundação Catarinense de Cultura (FCC), Anita Pires.
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Os candidatos nascidos em Santa Catarina, bem como os residentes no Estado há no mínimo três anos, concorriam automaticamente nas duas categorias, nacional e catarinense, desde que tivessem escrito em cada uma das cópias, ao lado do título e do pseudônimo, a palavra "catarinense". Também foi possível inscrever mais de uma obra, bastando entregá-las separadamente, com inscrições exclusivas. Todos os romances deviam ser rigorosamente inéditos.
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Mais informações: cruzesousa@fcc.sc.gov.br ou (48) 3953-2396.
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Prêmio Cruz e Sousa de Literatura – Edição 2008-2009
VENCEDORES (prêmio em dinheiro mais publicação do romance)
Categoria Nacional
1° lugar – “O Senhor da Palavra”, de Ruy Reis Tapioca (Rio de Janeiro)
2° lugar – “O Vestido Vermelho”, de Vera Lucia Gonçalves Moll (Rio de Janeiro)
3° lugar – “A Cor das Palavras”, de Ronaldo Antonelli (São Paulo)
Categoria Catarinense
1° lugar – “Cruz do Campo”, de Abelardo da Costa Arantes Junior (Florianópolis)
2° lugar – “O Livro Perdido de Baroque Marina”, de Fernando José Karl (São Bento do Sul)
3° lugar – “A Morte dos Deuses”, de Roy Warncke Ashton (Florianópolis)
RECOMENDADOS pela Comissão Julgadora
“Juvenal”, de Gilson B. Rampazzo (São Paulo)
“A Paixão Insone”, de Ronaldo Monte de Almeida (João Pessoa / PB)
“O Testemunho segundo Martinho Cartago”, de André Zanetti Papaphilippakis (São Paulo)
“Perdeu, Playboy”, de Felipe Tazzo (Campinas / SP)
“Somos Todos Velhas Fotografias”, de Sérgio Idelano Alves Matos (Teresina / PI)
“O Círculo”, Miriam Halfim (Rio de Janeiro)
“A Dança das Paixões, Opus 15”, Esdras do Nascimento (Rio de Janeiro)
“Inventário da Sombra”, Álvaro Cardoso Gomes (São Sebastião / SP)
“Deixa ir o meu povo”, de Luzilá Gonçalves Ferreira (Recife / PE)
“Eu, Flavius Ropelius, Centurião Romano”, de Milton Osny Stinghen (Ponta Grossa / PR)
“Demosthenes, uma Herança Grega”, de Loreana Maria Constantino Valentini (São Paulo)
“A Ronda dos Infelizes”, de Alberto Coelho Gomes Costa (Ibirama / SC)
“O Show da Vida”, de Leandro Telles Franz (Florianópolis / SC)
“A Realidade e a Ficção”, de Kátia Rebello (Florianópolis / SC)
“Os Estranhos”, de Jaqueline de Mello (Joinville / SC)
“Desterro, Brasil”, de Amilcar Neves (Florianópolis / SC)
“Ladrão de Quadros”, de Mário Gentil Costa (Florianópolis / SC)
“Ódio”, de Álvaro de Jesus Pissuto (Florianópolis / SC)
“Querência”, de Rosangela Maria de Almeida Garcia (Florianópolis / SC)
“Diário Vazio”, de Rafael Leiras (Florianópolis / SC)
SAIBA MAIS:
As edições anteriores do concurso
1980/1981 – Poesia
1º - “As sombras luminosas”, de Rui Espinheira Filho (Salvador/BA)
2º - “A mulher”, de Yvone Gianetti Fonseca (São Paulo/SP)
Prêmio Especial para Autor Catarinense – “As paredes do mundo”, de Osmar Pisani (Florianópolis/SC)
(Júri: Adonias Filho, Armindo Trevisan, Fausto Cunha, Ferreira Gullar e Marcos Konder Reis)
1982/1983 – Romance
1º - “Maria Wilker”, de Suzana Albornoz (Porto Alegre/RS)
2º - “Mulher no espelho”, de Helena Parente Cunha (Rio de Janeiro/RJ)
Prêmio Especial para Autor Catarinense – “Cândido assassino”, de Miro Morais (Gravatal/SC)
(Júri: Antonio Houaiss, Guilhermino César, Hélio Pólvora, Nereu Corrêa e Otto Lara Resende)
1995
Romance – “Cebola”, de Manoel Carlos Karam (Curitiba/PR)
(Júri: Deonísio da Silva, Urda A. Klueger e Carlos Nejar)
Conto – “Fractal em duas línguas”, de Cunha de Leiradella (Belo Horizonte/MG)
(Júri: Flávio José Cardoso, Ignácio de Loyola Brandão e Moacir Scliar)
Poesia – “Balada do cárcere”, de Bruno Tolentino (Rio de Janeiro/RJ)
(Júri: Lindolf Bell. Geraldo Galvão Ferraz e Ferreira Gullar)
1996
Romance/nacional – “A prosa gótica”, de Nilto Fernando Maciel (Brasília/DF)
Romance/estadual – “Sassafrás”, de Vicente Ataíde (Mafra/SC)
(Júri: Donaldo Schüller, Rui Mourão e Tabajara Ruas)
Poesia/nacional – “A lira da lida”, de Gabriel Nascente (Goiânia/GO)
Poesia/estadual – “Diário estrangeiro”, de Fernando José Karl (São Francisco do Sul/SC)
(Júri: Alcides Buss, Affonso Romano de Sant’Anna e Fernando Py de Melo e Silva)
Conto/nacional - “Contos”, de Ricardo Henrique Rao (São Paulo/SP)
Conto/estadual – “Contos de passagem”, de Marco Antônio Fernandes Arantes (Florianópolis/SC)
(Júri: Marina Colassanti, Sérgio da Costa Ramos e João Antônio)
Infantil/nacional – “Oitavo ano, primeiro amor”, de Flávia Savary (Rio de Janeiro/RJ)
Infantil/estadual – “Introdução à arte de ser menino”, de Paulo Venturelli (Brusque/SC)
(Júri: Ziraldo Pinto, Antônio Holhfeldt e Werner Zotz)
1997/1998
Romance/nacional – “Fronteira”, de João Batista Melo (Belo Horizonte/MG)
Romance/estadual – “Lembranças”, de Maria de Lourdes Krieger (Florianópolis/SC)
(Júri: Mário Pereira, Bruno Tolentino e Hélio Pólvora)
Poesia/nacional – “Janeiros como rios”, de Reynaldo Valinho Alvarez (Rio de Janeiro/RJ)
Poesia/estadual – “Travesseiro de pedra”, de Fernando José Karl (São Francisco do Sul/SC)
(Júri: Iaponan Soares de Araújo, Ivan Junqueira e Alexei Bueno)
Conto/nacional: – “Aquários”, de Edmar Monteiro Filho (Amparo/SP)
Conto/estadual – “Por um punhado de contos – Histórias do bem, histórias do mal”, de Jaime Ambrósio (Florianópolis/SC)
(Júri: Raul Antelo, Godofredo de Oliveira e Cláudio Murilo Leal)
Ensaio – “Entre o inefável e o infando”, de Ivone Daré Rabello (São Paulo/SP)
(Júri: Eglê Malheiros, Antonio Carlos Secchin e Gilberto Mendonça Teles)
2002 - Conto
Nacional
1º – “Hóspede secreto”, de Miguel Sanches Neto (Ponta Grossa/PR)
2º – “Grande homem mais ou menos”, de Luís Pimentel (Rio de Janeiro/RJ)
3º – “Pedacinho do céu”, de Jerônimo Teixeira da Silva Neto (RS)
Estadual
1º – “As vísceras e o coração (História de homens e bichos)”, de Jaime Ambrósio (Florianópolis/SC)
2º – “Fabulário dos ilustres desconhecidos”, de Fábio Brüggemann (Florianópolis/SC)
3º – “Olá & outras mentiras”, de Marco Antônio Fernandes Arantes (Florianópolis/SC)
(Júri: Moacir Scliar, Carlos Heitor Cony, Luiz Vilela, Flora Süssekind e Italo Moriconi)
2008-2009 - Romance
Categoria Nacional
1° lugar – “O Senhor da Palavra”, de Ruy Reis Tapioca (Rio de Janeiro)
2° lugar – “O Vestido Vermelho”, de Vera Lucia Gonçalves Moll (Rio de Janeiro)
3° lugar – “A Cor das Palavras”, de Ronaldo Antonelli (São Paulo)
Categoria Catarinense
1° lugar – “Cruz do Campo”, de Abelardo da Costa Arantes Junior (Florianópolis)
2° lugar – “O Livro Perdido de Baroque Marina”, de Fernando José Karl (São Bento do Sul)
3° lugar – “A Morte dos Deuses”, de Roy Warncke Ashton (Florianópolis)
(Júri: Deonísio da Silva, Péricles Prade e Carlos Appel)
Fonte: Comunicação / FCC
Autor(a): Deluana Buss
quarta-feira, outubro 01, 2008
segunda-feira, julho 28, 2008
segunda-feira, maio 26, 2008
Certa vez pensei num poema, divaguei por próclises e metonímias, demorei-me nos sufixos e conjugações. Outra vez, encontrei um poema, não era escrito, mas vivia, respirava e tinha um cabelo lindo. Mais de uma vez tenho-o lido, decifro-me perdendo-o, perco-me decifrando-o. E como cola, e como vento, e como sonhos, e como tento, colho memórias e planto calendários enquanto me afasto do chão esnobe que já não me quer. Absorvido por encantamentos graciosos de sorrisos ternos e olhares infantis, divago, divido, dissolvo.
terça-feira, novembro 27, 2007
Bipolar - APL e L.
O sopro caiu sobre torcicolos
desmanchando a única pétala de seda
fascinei-me ante assombrações
e com o vulto amargo da borra de café
transbordei passividades
-
Mesquinharias de surdo e violão
petiscos sem champanhes ou patês
do sopro, o vento à espera de outrem
fascinei-me ante minhas complicações
-
Recolhi o amargo do leite da floren
quanto azedava manhãs incompletas
descobri que domingos não existem
antes de funerais ou de ressacas
Pena saber que desta vida
desistências só trazem rancor
e que apesar das insistências
fugas não giram em vão
Aqui de onde nunca sou
aqui, para onde nunca vim
afirmo diante dos amores frugais
que ou se é feliz ou se tem razão...
quarta-feira, outubro 31, 2007
Pão Puro Cansa
“Em um diário onde anotava seus pesadelos, ou a falta deles, Kafka sonha transformar-se na namorada, e vice-versa, até que a metamorfose pega fogo. No fim, tem dúvidas de quem realmente fora incinerado, se ele, ou ela. Muitos sonham com realidades impossíveis, para romper as grossas molduras da existência, mas minha vida real não é passível de sonho, já não me encaixo no quadro há anos. Quando durmo, durmo. Acordado, absurdos me acontecem. Um exemplo do fantástico do qual sou refém é minha ida à padaria. Todos os dias vou para lá comprar pão, todos os dias volto satisfeito, mas sem o pacote. Percebam o milagre da situação, não preciso multiplicar pães para me satisfazer: saio de casa, ajeito a camisa, viro a esquina, ando duas quadras com as mãos nos bolsos, entro na fila e compro três (às vezes dois) pães de trigo, pago, não como nada, notem o detalhe, volto para casa caminhando as mesmas duas quadras (não haveria razão para mudança do itinerário), viro a esquina e, quando chego, já não carrego pacote nenhum. Nunca como os pães no caminho, mas chego sempre satisfeito. Desconheço qual a parte do trajeto em que costumam sumir, nem me preocupo, sua função foi feita. Mãos vazias e barriga cheia. Por vezes, porém, me incomodo, tenho saudade de passar uma manteiguinha, ou uma geléia. Pão puro cansa.”
Morris clicou em “Enviar” e, satisfeito, atualizou seu blogue. “Iniciar”, “Desligar” e “Ok” e foi passear, deixando o computador ainda processando tantas ordens. Virou a esquina, continuou andando, duas quadras, depois virou a esquina de novo, virou um quadrado e foi rolando morro abaixo. Ao rolar, Morris foi perdendo suas arestas, seus lados, e acabou no formato de uma pêra.
Gláucio gostava de pêras, mas não o escolheu; escolheu a pêra ao lado, que vinha da Argentina e custava dois centavos a menos. Morris ficou abandonado na cesta de frutas velhas da feira. Gláucio, que também comprara arroz, voltou pra casa andando. Duas quadras antes de chegar em casa, virou a esquina e virou um quadrado e foi rolando morro acima.
Ao rolar, Gláucio viu a cesta de pêras e perdeu suas arestas até ser confundido com Morris. Com a mesma forma, porém com melhor sorte que o amigo, foi escolhido por Arnaldo na seção de frutas novas da feira. Morris continuou abandonado na outra cesta.
Arnaldo estava de carro e por isso foi direto para casa, em linha reta, sem virar em esquina nenhuma. Mas chegou em casa e virou as meias do avesso, para lavar no tanque, e virou pó de amaciante. Arnaldo então espirrou e espalhou seus restos mortais por toda a área de serviço. Enquanto Gláucio e Morris apodreciam, ele polinizava azulejos.
Enquanto uns sucedem anotando sonhos, outros não sobrevivem a se moldar em seus pesadelos, o máximo que se pode fazer, nesses casos, é manter um blogue, ainda que sem audiência, ainda que sem esperança, sem objetivo, sem acentos nem ponto final,
“Em um diário onde anotava seus pesadelos, ou a falta deles, Kafka sonha transformar-se na namorada, e vice-versa, até que a metamorfose pega fogo. No fim, tem dúvidas de quem realmente fora incinerado, se ele, ou ela. Muitos sonham com realidades impossíveis, para romper as grossas molduras da existência, mas minha vida real não é passível de sonho, já não me encaixo no quadro há anos. Quando durmo, durmo. Acordado, absurdos me acontecem. Um exemplo do fantástico do qual sou refém é minha ida à padaria. Todos os dias vou para lá comprar pão, todos os dias volto satisfeito, mas sem o pacote. Percebam o milagre da situação, não preciso multiplicar pães para me satisfazer: saio de casa, ajeito a camisa, viro a esquina, ando duas quadras com as mãos nos bolsos, entro na fila e compro três (às vezes dois) pães de trigo, pago, não como nada, notem o detalhe, volto para casa caminhando as mesmas duas quadras (não haveria razão para mudança do itinerário), viro a esquina e, quando chego, já não carrego pacote nenhum. Nunca como os pães no caminho, mas chego sempre satisfeito. Desconheço qual a parte do trajeto em que costumam sumir, nem me preocupo, sua função foi feita. Mãos vazias e barriga cheia. Por vezes, porém, me incomodo, tenho saudade de passar uma manteiguinha, ou uma geléia. Pão puro cansa.”
Morris clicou em “Enviar” e, satisfeito, atualizou seu blogue. “Iniciar”, “Desligar” e “Ok” e foi passear, deixando o computador ainda processando tantas ordens. Virou a esquina, continuou andando, duas quadras, depois virou a esquina de novo, virou um quadrado e foi rolando morro abaixo. Ao rolar, Morris foi perdendo suas arestas, seus lados, e acabou no formato de uma pêra.
Gláucio gostava de pêras, mas não o escolheu; escolheu a pêra ao lado, que vinha da Argentina e custava dois centavos a menos. Morris ficou abandonado na cesta de frutas velhas da feira. Gláucio, que também comprara arroz, voltou pra casa andando. Duas quadras antes de chegar em casa, virou a esquina e virou um quadrado e foi rolando morro acima.
Ao rolar, Gláucio viu a cesta de pêras e perdeu suas arestas até ser confundido com Morris. Com a mesma forma, porém com melhor sorte que o amigo, foi escolhido por Arnaldo na seção de frutas novas da feira. Morris continuou abandonado na outra cesta.
Arnaldo estava de carro e por isso foi direto para casa, em linha reta, sem virar em esquina nenhuma. Mas chegou em casa e virou as meias do avesso, para lavar no tanque, e virou pó de amaciante. Arnaldo então espirrou e espalhou seus restos mortais por toda a área de serviço. Enquanto Gláucio e Morris apodreciam, ele polinizava azulejos.
Enquanto uns sucedem anotando sonhos, outros não sobrevivem a se moldar em seus pesadelos, o máximo que se pode fazer, nesses casos, é manter um blogue, ainda que sem audiência, ainda que sem esperança, sem objetivo, sem acentos nem ponto final,
sábado, outubro 20, 2007
Como queiras
ou como querem
como figueiras
com o que aferem
vento vai de modo vil
como fogo de fuzil
velho fico e jovens ferem
os sorrisos do Brasil
Como queiras
ou como Eles querem
coma pó, sugue a grama
enquanto a grana
eles transferem
sexta-feira, julho 20, 2007
Espetáculo entre Copas e Cabanas
O Atlântico mirava-me absorto, despenteado e cruel. Quebrava-se com ferocidade nos restos mortais de escamas-de-peixe milenares. Feitas em caquinhos, misturavam-se com uma espécie de pó branco no solo preto-e-branco sobre o qual eu divagava. Mosaico de quereres breves construíram-no décadas atrás, um quebra-cabeças desigual e rudimentar que gelava meus pés. Meu tornozelo, como um imã, atraía uma multidão de sujeira cinza e amarela, meus calcanhares machucados reclamavam dos respingos vermelhos que os encharcavam.
- Meu Deus! Você está bem? Precisa de um médico?
- Ora, claro que precisa! disse uma senhora cheia de dobras. - Não vês que ele está a sangrar?
A senhora das dobras, que agora discutia com não sei que palhaço escondido atrás de enormes bochechas rosadas e desenrugadas, a senhora das dobras certamente vinha de onde desancoraram há quinhentos anos seus conterrâneos e nossos descobridores, os criadores daquele carnaval de bugigangas importadas e imprestáveis em troca do nosso vigor inocente, permutando a paz pela falta dela. Devia estar de férias dos palácios e da empáfia portuguesas, viera buscar neste continente a inocência e o vigor que evaporara do outro lado do Atlântico. Este, mais violento do que sempre, não convidava banhistas para um mergulho, mas sim turistas para um passeio e uma sessão de fotos.
Como um imã, estrangeiros atraíam uma multidão de sujeira cinza e marrom e preta e amarela de cima dos morros. Uma sujeira que eu costumava defender e que a mídia tem o hábito de ocultar. Não desgostava “deles”, admirava seu vigor de sobrevivência ao sistema, sua garra e sua alegria, até esvaziarem meus bolsos, dilacerarem meu filho e rasgarem meu estômago. Ódio é raiva pouca numa hora dessas.
- Vai desmaiar.
- Tragam-lhe uma água, ora pois, que o socorro está a chegar, disse a lusíada confusa, mas dona da situação.
- Foi assalto?
- Acho que não nos ouve, está em choque.
Ouço sim, apenas não estou para entrevistas. Foi; assaltaram-me. Tentei reagir, mas os dois pirralhos me levaram tudo: sapatos, dinheiro, sangue e filho. Como abutres em volta do seu corpo, mandaram-me correr sem olhar para trás. Obedeci qual índio catequizado. Não olhei. O passado não interessa àqueles que não pertencem ao futuro. Se morro agora, vou-me feliz - talvez ainda alcance meu pimpolho e façamos um companhia ao outro até os portões da eternidade e juntos jantemos no Paraíso.
- Ai, nossa, olha a camisa dele!
- Abram espaço! Deixem-no respirar.
- Alguém liga de novo para alguma ambulância, pelmordideus!
- Meu celular está sem crédito.
- O meu, fora da área. Sou do interior de São Paulo. Também é violento lá.
Acho a Copa bacana. Parece-me que não verei a próxima. Perderei a final do basquete feminino no Pan. O Rio, o paraíso, está em festa. Alguém tinha de estragá-la. Por que não escolheram algum turista perdido e mais abonado? Por que tanta violência contra um morador do local? Acho que a roupa engana.
- Eu vi tudo, foram os filhos do Maringá. Passaram correndo do outro lado. Já devem estar bem longe.
- São umas pestes.
- Alguém devia era dar uma boa lição neles.
- São menores, estarão limpos quando crescerem.
- Pelo menos uma surra…
Lições? De todo o ocorrido, aprendo que as facas devem permanecer dentro das copas e o lixo não deve escorrer morro abaixo, deve hibernar eternamente em vilas kafkianas e cabanas sem videogames. Claro, também aprendi que, assim como o crime, reagir não compensa. Somos reféns do inesperado - desde Cabral, o inesperado nos cerca, nos empareda e nos catequiza.
O sal de uma lágrima dissolve-me dos lábios o pó acumulado; o dia escurece e nem é noite ainda. Voltem para suas casas, escondam-se atrás de grades, o show terminou.
O Atlântico mirava-me absorto, despenteado e cruel. Quebrava-se com ferocidade nos restos mortais de escamas-de-peixe milenares. Feitas em caquinhos, misturavam-se com uma espécie de pó branco no solo preto-e-branco sobre o qual eu divagava. Mosaico de quereres breves construíram-no décadas atrás, um quebra-cabeças desigual e rudimentar que gelava meus pés. Meu tornozelo, como um imã, atraía uma multidão de sujeira cinza e amarela, meus calcanhares machucados reclamavam dos respingos vermelhos que os encharcavam.
- Meu Deus! Você está bem? Precisa de um médico?
- Ora, claro que precisa! disse uma senhora cheia de dobras. - Não vês que ele está a sangrar?
A senhora das dobras, que agora discutia com não sei que palhaço escondido atrás de enormes bochechas rosadas e desenrugadas, a senhora das dobras certamente vinha de onde desancoraram há quinhentos anos seus conterrâneos e nossos descobridores, os criadores daquele carnaval de bugigangas importadas e imprestáveis em troca do nosso vigor inocente, permutando a paz pela falta dela. Devia estar de férias dos palácios e da empáfia portuguesas, viera buscar neste continente a inocência e o vigor que evaporara do outro lado do Atlântico. Este, mais violento do que sempre, não convidava banhistas para um mergulho, mas sim turistas para um passeio e uma sessão de fotos.
Como um imã, estrangeiros atraíam uma multidão de sujeira cinza e marrom e preta e amarela de cima dos morros. Uma sujeira que eu costumava defender e que a mídia tem o hábito de ocultar. Não desgostava “deles”, admirava seu vigor de sobrevivência ao sistema, sua garra e sua alegria, até esvaziarem meus bolsos, dilacerarem meu filho e rasgarem meu estômago. Ódio é raiva pouca numa hora dessas.
- Vai desmaiar.
- Tragam-lhe uma água, ora pois, que o socorro está a chegar, disse a lusíada confusa, mas dona da situação.
- Foi assalto?
- Acho que não nos ouve, está em choque.
Ouço sim, apenas não estou para entrevistas. Foi; assaltaram-me. Tentei reagir, mas os dois pirralhos me levaram tudo: sapatos, dinheiro, sangue e filho. Como abutres em volta do seu corpo, mandaram-me correr sem olhar para trás. Obedeci qual índio catequizado. Não olhei. O passado não interessa àqueles que não pertencem ao futuro. Se morro agora, vou-me feliz - talvez ainda alcance meu pimpolho e façamos um companhia ao outro até os portões da eternidade e juntos jantemos no Paraíso.
- Ai, nossa, olha a camisa dele!
- Abram espaço! Deixem-no respirar.
- Alguém liga de novo para alguma ambulância, pelmordideus!
- Meu celular está sem crédito.
- O meu, fora da área. Sou do interior de São Paulo. Também é violento lá.
Acho a Copa bacana. Parece-me que não verei a próxima. Perderei a final do basquete feminino no Pan. O Rio, o paraíso, está em festa. Alguém tinha de estragá-la. Por que não escolheram algum turista perdido e mais abonado? Por que tanta violência contra um morador do local? Acho que a roupa engana.
- Eu vi tudo, foram os filhos do Maringá. Passaram correndo do outro lado. Já devem estar bem longe.
- São umas pestes.
- Alguém devia era dar uma boa lição neles.
- São menores, estarão limpos quando crescerem.
- Pelo menos uma surra…
Lições? De todo o ocorrido, aprendo que as facas devem permanecer dentro das copas e o lixo não deve escorrer morro abaixo, deve hibernar eternamente em vilas kafkianas e cabanas sem videogames. Claro, também aprendi que, assim como o crime, reagir não compensa. Somos reféns do inesperado - desde Cabral, o inesperado nos cerca, nos empareda e nos catequiza.
O sal de uma lágrima dissolve-me dos lábios o pó acumulado; o dia escurece e nem é noite ainda. Voltem para suas casas, escondam-se atrás de grades, o show terminou.