terça-feira, fevereiro 01, 2005

LesenLibertèClub: Crime e Castigo

Kafka nasceu dois anos depois da morte de Dostoievski, mas já havia sido protagonista de um romance deste último, sob o pseudônimo Raskolnikov. Era ele que vivia enfurnado no quartículo, que não suportava a companhia de humanos e que matou a velhinha; nesta reencarnação porém ainda era ordinário, o que só foi descobrir depois da incapacidade de suportar as consequências psicológicas do seu crime (não lembro, ele se arrependeu?).
O maior mérito do livro foi o de ter conseguido grudar nas minhas mãos por uma semana de angustiante êxtase; foi, junto com Decamerão, o primeiro dos ditos clássicos que li; quando decidi que, se e era pra "perder" tempo lendo, e se em uma vida não há tempo hábil para ler tudo o que é bom, leria só os já consagrados.
A melhor passagem do livro foi traduzida como uma salada de frutas na minha edição, fiquemos com a inglesa "but I´m talking too much, that´s why I do nothing, and, cause I do nothing, I´m talking too much", que decorei vendo a série da cultura sobre literatura, a qual, se for reprisada mais uma vez, a fita estraga.
As caminhadas que Raskolnikov dá por aquelas ruas sombrias, aquelas ruas sombrias, os bêbados e mendigos; ninguém aí ficou com uma imensa vontade de caminhar sem rumo pelas ruas de suas cidades? Foi só comigo? Fiz até planos do itinerário que faria, o que descaracterizaria o "sem rumo" da caminhada; passaria um dia inteiro, sem parar, só andando (ia comprar um tênis novo só pra isso). Nunca realizei o intento, mas ainda tenho vontade - principalmente quando relembro daquele cubículo, da velha, daquelas ruas sombrias, dos bêbados e dos mendigos... uma sensação sufocante. Se este era o objetivo do autor para, com uma morte, mostrar o quanto a vida é viva, conseguiu. É como se numa sala esfumaçada alguém apertasse seu peito, só dá pra pensar em sair, ver a luz, o ar, respirar tranquilo numa caminhada à esmo e ter a certeza de que sempre há para onde fugir, mesmo que a fuga seja impossível.