sábado, janeiro 08, 2005

De mudanças de passagem no passado

Há momentos em que o que esperamos não acontece e o inesperado também não se manifesta, nada acontecendo no fim, portanto. Aquela nuvem que se forma ameaçadora no fim da vista, e não deságua água terra abaixo é um exemplo válido.
Ao dar um passo além da soleira do seu lar, Albertino decidiu abrir o guarda-chuva, com a mão direita, para não se molhar com a água que caía do céu molhada. Andava, com seus pés, um em seguida do outro numa coordenação perfeita - nunca dava dois passos com a perna direita sem intercalar com um passo da esquerda -, pela calçada; a mesma calçada em que encontrou, de frente, sua antiga amiga Anatólia, que era mulher e era sua antiga amiga. Pois Anatólia estava mudada. E como Anatólia estivesse mudada, Anatólia não era mais a mesma, concluiu Albertino espantado com sua rapidez de percepção perceptiva.
Estava chovendo e ela também havia aberto seu guarda-chuva para não se molhar com a chuva que caía do céu, e que era molhada (portanto, a molharia se a tocasse). Pois ficaram a se olhar, um para o outro, com seus respectivos olhos. Se se falassem, usariam a boca, mas não disseram nada, emitindo assim som algum. Carros, os que não estavam parados, passavam por eles em grande velocidade, pelo menos aqueles que não iam devagar. Logo um parou, porque era amarelo e porque era um taxi, e porque Anatólia o tivesse chamado com um sinal que fizera com sua mão, no exato intuito de pedir que o taxi encostasse para levá-la a algum lugar que ela diria ao motorista em alguns instantes.
Temos, então, Albertino que mira os olhos de Anatólia que se esquiva olhando o lado do pneu redondo traseiro, do taxi amarelo, e o motorista que a busca pelo retrovisor, o qual, por sinal, espelha a imagem das costas de Anatólia, que ainda está virada para Albertino. Ah, e há chuva! e fora tudo isso, ainda há o mundo que os envolve.
Se, com a boca, Albertino falasse, com os ouvidos, Anatólia o escutaria; mas ele preferiu dizer com gestos, no que foi repelido também por uma espécie de. Dois ou três segundos se passaram, ou mais também pois ninguém ali nada não calculou, antes que ela o deixasse a ele sozinho. O taxi partiu pois ela já entrara e fechara a porta e o motorista acelerara, deixando entrar, assim, combustível no tanque de combustão.
Pena Albertino nada ter falado, se o fizesse, certamente algo teria dito.
Infeliz decisão de Anatólia.
Mas, algo mudara realmente? Ele havia previsto a reação da moça, a Anatólia, e ela já sabia que ele não faria o que de fato não fez. Costumavam ser amigos, algo mudara lá, no antigo do antigamente, agora só continuavam o que um dia deixaram de começar; o dia que ele a beijou a força, com a boca, e ela fingiu que não gostou, o mesmo fatídico dia em que ele não a pedira ao seu pai: o que ambos mais desejavam e que ele não sabia.
Agora? Bem, agora a chuva o molhava, pois ele tentara acertar o taxi com seu guarda-chuva.