quinta-feira, maio 12, 2005

Por que não comestes do alface?

Eu fiz o strogonoff, cortei carne desdas quatro da manhã, pus pra cozinhar, juntei o creme de leite e tudo mais, diz que depois disso não pode deixar ferver, pois não ferveu; descasquei as batatas, cortei em cubinhos como sugeristes, para que depois de fritas ficassem sequinhas; o arroz, sim, aprendi a fazer arroz, aprendi a não deixar a cebola queimar antes do tempo (descasquei cebola hoje, sabíeis?), enchi a panela de água e ela evaporou e eu tirei o arroz da panela e o coloquei na vasilha de vidro (vasilha que me destes, lembrais?); o suco: o suco comprei, admito, não havia mais tempo para buscar frutas, faltaram-me mãos para prepará-lo, faltou-me preparo para calcular a divisão de tempo nas tarefas; pois então, comprei o suco, dos mais caros, de pêssego com soja, diz que faz bem para o coração - sim, preocupo-me com o vosso coração... que mais?.. guardanapos, não haviam guardanapos; nem guardanapos nem enfeites para a mesa. Aqueles soldadinhos que eu disse serem a imagem do amor a algo maior - foi o que pude inventar com o que tinha em casa; e o papel higiênico ultra-macio com cheiro de pêssego calhou bem como guardanapo, combinou com o suco, nisso concordamos. Pois servi a mesa conforme os padrões da belle cousine francaise, da qual não sois fã, mas sei que admirais les grands chefs, e diagramei tudo para que vossos braços não fossem impedidos de amplos movimentos durante as elocubrações filosóficas do pós-manger. Eu perdi mais que uma manhã, eu perdi uma noite inteira sem dormir a pensar em todos os passos, em todas as alternativas que por ventura apareceriam durante a salada. Sim, nem precisei lembrar-vos que a salada vinha apenas após o prato principal, tive entretanto de bater o pé em vista de vossa insistência em deixar o strogonoff para o final, para deixar aquele gostinho bom na boca; e foi aí minha perdição. Por que vos negastes o alface? Fazia parte do roteiro, se o mocinho não mata o bandido, não pode beijar a mocinha no final! Estava tudo nos conformes até a "bendita" recusa do alface entrar em cena; era ali, durante a salada, que eu diria tudo que ensaiara por semanas, era ali que descobriríeis o quanto vos quero bem; eu começaria dizendo "Pri, preciso te dizer uma coisa", no que responderíeis, com certo olhar desconfiado, um simples "Fala"; e eu falaria, sim, ah! como enfim eu falaria...
Mas, por que, deus do céu!, por que não comestes do alface?