sábado, maio 07, 2005

(continuação)
Anna del Nacho possuía fios de seda, naquela cor de porta de parede, na cabeça. Eram, na realidade, a porta da perdição, pois aqueles cabelos macios, quando entrelaçados na mão de Malakatan, flutuavam sobre seus dedos com vida própria, fugiam de sua ânsia, fugiam de sua cobiça. E era só o começo pois, não os olhos, mas o olhar, o olhar dos olhos era o pecado final; ali o diabo metera o dedo, Deus não criaria obra de uma malícia tão sublime, pensava Malakatan (que acreditava em Deus, e não acreditava que ele pudesse ter criado uma obra de uma malícia tão sublime); e continuava absorto pensando em sua sorte.
Anna curou seus pés feridos; ela os lavava todas as tardes com poeira de pó, conforme indicado por Malakatan, eram para cobrir os furos das bolhas!, dizia ele, pois as bolhas, quando estouram, deixam furos! afirmava.
Anna também curou seu coração. Ou, pelo menos, anestesiou o desconforto que ele sentia ao ver que o sol partia, mais um dia, e ele ainda não completara seu objetivo, que ainda não sabia qual era, mas que quando fosse completado saberia.
Anna era alta como as Annas da Espanha; e, como todas as outras Annas da Espanha, nascera espanhola. Descendente do grande vice-cônsul de Mallorca Vicente Sinon del Nacho, que vencera a Batalha dos Pirineus com um simples Sim e um simples Não (não simultaneamente, esclareça-se), Anna herdara a obsoleta peculiaridade de beber água sempre que estivesse com sede.
Malakatan não sabia que não encontraria beleza igual àquela, e, sabendo disso, decidiu permanecer por mais dois sóis com Anna del Nacho. Após esse período, pensando estar sendo injusto com a lua, continuou mais dois ciclos lunares completos na capital da Catalunha.
Anna? Anna o abandonou na primeira lua cheia, aquele cigano fedido já enchera o saco.
E Barcelona ficou para trás...
Ah! Injusta Anna...
(continua)