quarta-feira, março 07, 2007

Guarda-roupas limpo

"Olá Paulo, você sabe que eu te amo, eu sempre te amarei."
(ui, horrível, REWIND) "Olá Paulo, você... REWIND. "Querido Paulo, Foforêncio, aqui, quem fala, é a sua amada, aquela que sempre vai estar ao seu lado, na pobreza e na riqueza, na saúde e na doença. Obrigado por fazer parte do resto da eternidade da minha vida; a surpresa dos anéis, lá no restaurante, foi linda. Adorei terem aparecido no meio do mousse de maracujá. Sorte que não os comi antes, né. haueahuea
(não, não, sem a risada. REWIND) - do pudim. Sorte que não os comi antes, né. "Amei sua supresa, mas agora é a minha vez. Roubei seu gravador, ache-me se merecer. Vou me esconder, encontre-me conforme as pistas que eu vou te dando. Venha até a cozinha, isso, tire os sapatos, veja a pia, veja como as panelas estão sujas, eu cozinhei para você. Oh, mas que pena, acho que não tenho travessa para pôr o pudim; onde será que você vai comê-lo? Ai, minha barriguinha está gelada, tá escorrendo um caramelo por aqui... Caaaalma, não vá com tanta sede ao pote; eu gosto de preliminares. Lave a louça, primeiro. Enquanto isso, eu canto para você. Um diaaaareia braaaanca, seus péés irão tocaaar, e ao molhaaaar seus cabeeeelos, na áágua azul do maaaar. Outra mais animadinha: o que ééé imortaaaaaal, não mooorre no finaaaal.
(Péssima, vamos manter o nível. REWIND) ááágua azul do mar. "Ainda não terminou? Tá demoradinho, hein. Falta só o liquidificador, aposto. Você sempre o deixa para o final. Outra então: Debaixo dos caracóis dos seus cabelooos, uma história pra contar, de um mundo tão distante... Deu foforêncio, pode deixar como está, já estou molhadinha, digo.. REWIND... como está, já estou com saudades.
(melhor, menos direto).
Então venha até aqui na janela, deixei um bilhete ali embaixo do vaso com a rosa linda que ganhei ontem, não, não, pera, vou colocar dentro do livro aqui ao lado, na página que o estrangeiro atira no árabe, aquela que discutimos tanto. Ainda acho que sem um motivo para o assassinato a história perde verossimilhança. Apoiei o livro no vaso, uma metáfora sobre literatura e beleza, ok? Comprei uma lingerie vermelha, como você sempre pediu, indiretamente, sempre, sempre pediu. Eu percebi, querido. Mulher percebe essas coisas, as mulheres têm muito mais poderes que vocês homens e suas vãs filosofias desconfiam. Estou fechando a janela, todas as luzinhas do prédio ao lado já se apagaram. Está anoitecendo, o trânsito, um caos. As pessoinhas-formiguinhas chegam mais rápido no fim da rua que os automóveis; você deve estar impaciente, né. Já imagina que tem alguma surpresa te esperando. Ah, ó. A Clara, do setenta-e-seis, do prédio ali da frente, lembra da Clara? Aquela minha antiga amiga de faculdade, que outro dia esbarramos na videolocadora, solteirona ainda, lembra, que mora no prédio em frente? Acendeu a luz; alguém veio visitá-la. Um amante? Hum... parece que vai ficar interessante, ela pôs apenas um robe, estava pelada, acredita? Foi abrir a porta, tcharararam... Um cara velho, de chapéu, com um óculos enorme entrou. Deve ser o pai. Não, não é o pai, não, fofuncho, um pai não agarraria a filha dessa maneira, não estaria com as mãos naquele lugar... Estão indo apagar a luz, com pressa, ela jogou o robe longe, ele tirou o chapéu... os óculos... PAULO!!
bum.
(quarenta e cinco minutos depois)
Paulo abre a porta, parece que assaltaram seu apartamento; móveis revirados, roupas esparramadas; não roubaram seu gravador, está jogado no chão, mas funcionando. Onde estava Júlia?
PLAY.
...mas agora é a minha vez. Roubei seu gravador, ache-me se merecer...
(cinco minutos depois)
...o estrangeiro atira no árabe...
(três minutos mais tarde)
Paulo chora, ex-foforunxo amargamente arrependido. Ela se fora. Fizera as malas; o guarda-roupas estava limpo.